O tri da Libertadores se marca na história do Flamengo como um título da imposição, com notáveis 95% de aproveitamento
O Flamengo invicto conquistou 12 vitórias em 13 partidas, no maior aproveitamento da Libertadores em 53 anos - e o segundo maior em todos os tempos
Cada Libertadores do Flamengo reluz de uma maneira diferente na estante do clube. A primeira taça, de 1981, marca o ápice de um esquadrão. O passo supremo complementado pelo Mundial. O feito internacional que dimensionou a grandeza histórica daquele período. Já a segunda taça, de 2019, é a da apoteose. Aquela glória que gerações só ouviam, mas não haviam vivenciado. O fim da espera e também de uma sequência de pancadas dolorosas no continente. O desfecho épico que soltou o grito mais forte, num ano de sonho, e que reafirmou o peso do Fla para a América do Sul. Por fim, a terceira taça precisa recontar a imposição dos rubro-negros. Não foi uma campanha perfeita, claro, assim como parece a menos encantadora para o imaginário coletivo, mas foi muito grande. Em termos de números, mais acachapante que as outras duas. O invicto Flamengo conseguiu o maior aproveitamento da competição nos últimos 53 anos.
O Flamengo somou 12 vitórias em 13 partidas, com apenas um empate. Assombrosos 95% de aproveitamento, só abaixo do Estudiantes 100% em 1969. Mas com um detalhe: em tempos nos quais o então campeão pegava um atalho diretamente às semifinais, os pincharatas entraram em campo apenas quatro vezes para faturar o bicampeonato – que culminaria ainda num tri consecutivo em 1970. Os flamenguistas de 2022 jogaram mais que o triplo de jogos, com um nível de desempenho inédito para a fase moderna da competição. Diz muito.
Os números defensivos do Flamengo são bons. A equipe sofreu oito gols. O rendimento melhorou mesmo nos mata-matas, com só dois tentos sofridos em sete compromissos. Já o ataque arrebentou. Foram 33 gols, em estatísticas dilatadas graças às goleadas sobre Vélez Sarsfield e principalmente Tolima durante as fases eliminatórias. É um saldo positivo de 25 gols em 13 partidas, quase dois por jogo, que enfatiza a superioridade que a equipe teve ao longo da competição.
A campanha na fase de grupos ainda não colocou o Flamengo necessariamente como favorito. Era uma equipe desequilibrada, que tantas vezes se escorou no talento individual do meio para frente, diante dos recorrentes erros defensivos. Mas não se pode negar que os tempos são outros para o clube. A torcida rubro-negra havia se acostumado ao longo das duas últimas décadas com o sofrimento em busca da classificação aos mata-matas – algumas vezes culminando em hecatombe na rodada final. Diante da bagunça que foi a equipe de Paulo Sousa ao longo da passagem do treinador português, a maneira como o time navegou tranquilo pelo Grupo H é notável. O Fla só empatou com o Talleres em Córdoba, mas fez também uma grande atuação contra os argentinos no Maracanã. Universidad Católica e Sporting Cristal não assustaram, apesar do resultado mais apertado na visita ao Chile.
Já o início dos mata-matas coincidiu com o melhor momento do Flamengo na temporada. A visita ao Tolima na Colômbia ainda contou com uma dose de sufoco apesar da vitória, mas, a partir da chegada de Dorival Júnior, os rubro-negros deslancharam. Apresentaram um futebol extremamente ofensivo e muito eficiente, também sem se expor na defesa. O Tolima terminou atropelado nos 7 a 1, os 3 a 0 agregados contra o Corinthians poderiam ser mais dilatados e o duelo contra o Vélez se resolveu nos 4 a 0 da Argentina, antes dos 2 a 1 em ritmo de treino na volta. O Fla se impunha, de fato, como o melhor time do continente.
O intervalo de quase dois meses entre as semifinais e a final mudou bastante coisa. Os adversários aprenderam a neutralizar as armas do Flamengo e o ritmo da equipe também caiu. Não era mais o time arrasador das fases anteriores e, por isso, parecia mais acessível. Teria pela frente ainda um Athletico Paranaense que, mesmo no momento de maior embalo, indicou que sabia travar os cariocas pelo que foi o duelo na Copa do Brasil. Em Guayaquil, os melhores momentos do Furacão aconteceram quando a aplicação tática compensou a diferença técnica. O Fla demorou a se encontrar no jogo, mas a expulsão facilitou o trabalho e o placar de 1 a 0 foi modesto, porque o time deveria ter pressionado por mais no segundo tempo – tanto que chegou a tomar alguns sustos. No fim, o tri se celebrou.
E, ainda que tenha passado em branco justo na final, numa atuação apagada, Pedro termina a campanha como o símbolo desse domínio do Flamengo. O prêmio de melhor do torneio é justíssimo. O centroavante participou de quase metade dos gols do Fla, com 12 tentos marcados e duas assistências. Mesmo reserva na maior parte da fase de grupos, o artilheiro fez a diferença, sobretudo no empate contra o Talleres. Já a sua participação nos mata-matas foi surreal, com as goleadas sobre Tolima e Vélez se tornando tão elásticas também pela fase destruidora do atacante. Facilitou muito a um time que voltou a crescer com sua entrada. Além das estrelas de sempre (como Gabigol, Everton Ribeiro e Arrascaeta), vale mencionar ainda a estabilidade que Léo Pereira garantiu à defesa em sua recuperação no clube e o encaixe de João Gomes, imprescindível na temporada.
A superioridade do Flamengo na Libertadores de 2022 cria inclusive algumas discussões além do clube. Todos os adversários da campanha têm um orçamento inferior ao dos rubro-negros, numa competição cada vez mais desnivelada. Os maiores desafiantes foram mesmo os brasileiros, mas o Corinthians sequer ofereceu a ameaça que se supunha (como fez na Copa do Brasil) e o Athletico Paranaense sucumbiu também pelas limitações de seus recursos. Palmeiras e Atlético Mineiro, os principais concorrentes em termos de investimento, caíram antes. A tendência é que a Libertadores continue como um clube fechado nos próximos anos e um tetra rubro-negro não soa distante. A alternância com os palmeirenses nos últimos quatro anos é sintomática.
De qualquer maneira, não é esse cenário que invalida a forma como o Flamengo cresceu e se impôs na atual edição. E isso não acontece apenas pelo campo, mas pela forma como o clube trabalhou para construir essa superioridade. Os tempos de potencial desperdiçado com bagunças internas e fracassos seguidos na Libertadores ficaram para trás, mesmo que muitos erros tenham sido cometidos pelo departamento de futebol na temporada, até que os acertos viessem com Dorival Júnior. Hoje, o Fla sabe jogar a Libertadores como poucos times. Olhando para frente, nas atuais condições, o horizonte segue aberto. Se há três anos o título no torneio anunciava a chegada a uma terra prometida após anos de travessia no deserto, agora há uma impressão de que um império continental em vermelho e preto pode ser construído.