O Palmeiras encerra um hiato de duas décadas sem que a Libertadores tivesse um mesmo campeão em edições consecutivas
A Libertadores não via um mesmo time manter sua coroa desde o Boca de 2000-2001

O Palmeiras chegou muito perto de ser campeão da Libertadores de maneira consecutiva em 2000. A equipe já não era tão forte quanto a de 1999, mas alcançou mais uma decisão e deixou escapar o bicampeonato. O Boca Juniors voltaria a ser campeão após 22 anos e, em 2001, protagonizou aquilo que os alviverdes ficaram no quase, com duas taças seguidas na competição da Conmebol. Desde então, nenhum outro clube sul-americano tinha conseguido levar o troféu em edições consecutivas. Nenhum até o Palmeiras de Abel Ferreira, que registra o primeiro bicampeonato (no meio de seu tri histórico) em duas décadas no torneio continental.
Bicampeões não eram tão raros assim nos primórdios da Libertadores. As primeiras seis edições tiveram títulos consecutivos de Peñarol, Santos e Independiente. Na virada para os anos 1970, o Estudiantes registraria o primeiro tri e o Independiente estabeleceria um ainda não repetido tetra. O próprio Boca Juniors seria bicampeão naquele momento. Depois disso, os títulos consecutivos se tornaram muito mais escassos, pela mudança de regulamento que não mais botava os campeões vigentes em fases mais agudas, bem como pelo aumento no número de participantes na competição. Somente o São Paulo de Telê Santana e o Boca Juniors de Carlos Bianchi seriam capazes de tal façanha num intervalo de quatro décadas, a partir dos anos 1980.
Defender o título da Libertadores ainda é uma missão muito difícil. Mesmo equipes fortes que brilharam na América do Sul durante os últimos anos não tinham conseguido tal sucesso. E o obstáculo não é apenas a imprevisibilidade de um mata-mata, que realmente dificulta a hegemonia de times mais regulares. Também pesa a própria realidade dos clubes sul-americanos, que tantas vezes acabam perdendo suas estrelas para a Europa depois de uma ótima campanha continental.
O fortalecimento econômico dos clubes brasileiros nos últimos anos, ao que tudo indica, reduz o escopo de candidatos ao título. E o próprio impacto da pandemia, que reduziu o volume de transferências, ajudou com que alguns times se preservassem na América do Sul. O Flamengo fracassaria contra o Racing em 2020, mas o time finalista em 2021 repete grande parte da escalação campeã em 2019. O mesmo acontece com o Palmeiras, que não sofreria perdas significativas além de Matías Viña e até garantiu novas opções, com a volta de Dudu. O calendário mais curto, também pelos atrasos na edição passada, auxilia nessa continuidade.
Não é isso que diminui, de qualquer maneira, a raridade do que o Palmeiras conseguiu. Os desafios em 2021 seriam diferentes, com direito a um clássico contra o São Paulo e a um duelo duríssimo com o ascendente Atlético Mineiro. Isso até que a decisão contra o Flamengo oferecesse o tira-teima entre os dois campeões mais recentes. Os rubro-negros poderiam ser mais fortes pelo elenco que possuem no papel, mas os alviverdes se provaram como a equipe mais organizada e conseguiram moldar melhor o jogo no Estádio Centenário para suas virtudes. Repetem a glória pela segunda edição consecutiva – e tudo num intervalo de menos de um ano.
O fato absoluto de ter conseguido dois títulos consecutivos já reserva um lugar privilegiado a esse Palmeiras na história da Libertadores. Apenas oito equipes tinham defendido seus reinados com sucesso por dois ou mais anos. Talvez não seja a escalação mais memorável a desse Palmeiras, até comparando com o esquadrão alviverde que celebrou o feito inédito em 1999, que usufruía de outra realidade na manutenção de talentos no país. Mas a competitividade do time de Abel Ferreira é inquestionável, dentro de seu próprio contexto atual. Prova-se mais uma vez como um grupo moldado aos mata-matas, mesmo com dificuldades e desconfianças encaradas durante os últimos meses.
O atual cenário da Conmebol, com predomínio dos brasileiros, pode acelerar a aparição de outro bicampeão em breve – ou de um tri, com os alviverdes no páreo. Mas é notável como outros times bastante fortes que surgiram no continente durante os últimos 20 anos não tinham conseguido tal feito, com as chances perdidas já na decisão pelo São Paulo em 2006 e pelo River Plate em 2019. O Palmeiras de Abel Ferreira soube quebrar essa escrita, com uma continuidade clara sobre diversos acertos que renderam o título de 2020. E essa virtude merece ser valorizada, porque são raras as vezes que pinta num torneio tão duro como a Libertadores.