O impostor, a cachorra e o teste de farmácia: as histórias de peregrinação para Montevidéu
De carro, de ônibus, de avião ou de barco, o importante era chegar ao Uruguai para acompanhar a final da Libertadores

A pedra angular do torcedor de futebol é acompanhar o seu time em qualquer situação. Estando bem, estando mal, ou pior, naquele estado de letargia em que não está nem bem e nem mal. E onde ele estiver também. Há um orgulho no sacrifício, e a final da Libertadores neste sábado em Montevidéu apresentou uma boa oportunidade. Cidade agradável, longe o bastante para ser doloroso, mas não tão longe assim para ser impossível.
A capital uruguaia foi enchendo ao longo da semana. Quem arriscou para comprar passagem antes da definição da decisão entre Palmeiras e Flamengo conseguiu valores muito mais convidativos para chegar de avião no dia da partida ou na véspera. Quem tinha menos espírito aventureiro precisou encontrá-lo para encarar dias na estrada, de ônibus ou de carro, ou para pagar quase R$ 10 mil para se locomover pelo ar.
É notável que há mais flamenguistas em Montevidéu. Mesmo palmeirenses admitem. E se há mais na cidade, também houve mais nas viagens, e isso causou algumas situações inusitadas. Norman Júnior, 42 anos, é corretor de imóveis em Manaus. Para percorrer a extensão do continente, tomou um atalho com avião até Porto Alegre, de onde saiu um ônibus que passou 17 horas na estrada com 30 flamenguistas. Ou, pelo menos, era isso que eles achavam.
Na reta final, descobriram que um deles era um impostor. O coração do empresário Julio Astori, 28 anos, na realidade é alviverde. “Como ele já tinha feito amizade com todo mundo, não foi jogado para fora do ônibus”, contou Norman, com uma camisa da Fla Manaus, dando risada ao lado de Astori, agora “um irmão de placenta diferente”. E como foi a experiência do palmeirense? “Foi uma merda”, resumiu Astori. “Mas foi de boa, ninguém podia fazer nada comigo. Tudo pelo Palmeiras”.
Adairton Maciel, gerente de empresas de serviços de 42 anos, passou pela mesma situação. Ele e um colega eram os únicos palmeirenses em um ônibus cheio de torcedores do Flamengo. Eram os únicos calados e conseguiram manter o disfarce até se aproximarem do ponto final, quando o restante dos passageiros perguntou para qual time torciam. A passagem foi comprada na noite da vitória contra o Atlético Mineiro na semifinal. Antes do ingresso, que custava pelo menos R$ 1.000. “Eles vão ter a proeza de não ter estádio lotado em uma final de Libertadores”, criticou.

O cachorro
É triste a situação da Malu. Ela fez toda a viagem de Brasília até Montevidéu, mas não entrará no estádio porque a Conmebol não vendeu ingresso para cachorros. Malu é a cachorrinha da família Souza, que sempre teve a ideia de passar férias na região sul do Brasil e no Uruguai. Quando o Flamengo chegou à decisão, a fome se uniu à vontade de comer e eles armaram uma longa viagem. E claro que não poderiam deixar Malu sozinha por tanto tempo.
A empreitada começou em 13 de novembro, e foram quase duas semanas para chegar a Montevidéu, onde ficam até o dia 5 porque querem conhecer a cidade e o litoral. Vieram de carro, acampando nas paradas e fazendo turismo. Curitiba, Balneário Camboriú, Jurerê, Garopaba, Gramado e Porto Alegre, onde conheceram os estádios de Grêmio e Internacional. A barraca é apoiada no teto do carro e às noites abriga Rielvio Souza, o pai, Ciro Souza, o filho, e Thais Souza, a esposa do filho.
No dia da final, pretendem acampar em alguma cidade no litoral, a cerca de 40 minutos de Montevidéu, e pegar um táxi ou um ônibus. “Chegamos a ver um local que cobrava 50 mil por três dias. Decidimos acampar”, disse Thais, que ficará com Malu no camping durante o sábado porque elas não têm ingresso.
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O teste de farmácia
Gabriel Amorim é um jornalista Universidade Metodista de São Paulo que trabalha no Pod Porco, um podcast palmeirense. Saiu de carro de São Paulo na terça-feira. Dormiu em Blumenau e em Pelotas antes de tentar cruzar a fronteira, na quinta, às cerca das 10h, em Jaguarão. Tudo corria bem, exceto que ele havia corrido um risco: não havia feito o teste de PCR para detectar coronavírus que era exigido pelas regras de imigração. Tentou passar com um de antígeno feito na farmácia. Não conseguiu. Para a sua sorte, havia um laboratório próximo à aduana. Prometeram que o teste ficaria pronto até às 16h. Ficou apenas às 19h, e Gabriel conseguiu colocar o pé no Uruguai apenas à noite.
Havia muitas maneiras de chegar a Montevidéu. Valter, 40 anos, foi de avião para Buenos Aires e pegou um barco. O hotel estava comprado desde agosto porque o cancelamento era grátis. Comprou a viagem uma semana depois da final ser decidida. E levou a família: o irmão e a mãe, Maria, de 70 anos. “O Flamengo a gente segue”, afirma Maria. “Eu sou Flamengo desde jovem. Sou da Fla Jovem”, brinca. “Ficava atrás do gol no Maracanã.”

Torben, 30, está entre os que vieram de mais longe. Nasceu em Niterói, e seu nome é uma homenagem ao multicampeão olímpico Torben Grael, um conhecido da família. O curioso da sua situação é que pagou € 1.400 na passagem por meio de Madri que, pela cotação, vezes seis, daria aproximadamente a mesma coisa – ou até menos – do que um bilhete saindo de São Paulo ou do Rio e Janeiro. Ele também esteve em Lima. O empresário Vitor Asdourian pagou muito menos, mas arriscou: comprou a passagem quatro meses atrás. Se perdesse, deixaria R$ 500 nas mãos da companhia aérea. “Mas é melhor do que comprar uma passagem de R$ 10 mil”, afirma.
Isidro Ferreira, 49, era de São Paulo, mas atualmente trabalha no ramo da gastronomia em Assunção. O filho nasceu paraguaio. E palmeirense. E torcedor do Olimpia. Saíram de carro, ficaram 20 horas na estrada debaixo de muita chuva, com uma parada em Posadas, na Argentina, e chegaram a Montevidéu, onde tiveram uma experiência meio chata no Mercado do Porto, os únicos palmeirenses em meio a um mar de flamenguistas.
De carro, de ônibus, de avião e até de barco. Não importa o meio de transporte. Muitos torcedores deram um jeito de provar o seu amor por Palmeiras e Flamengo e pintarão as arquibancadas do Estádio Centenário de Montevidéu de verde, vermelho, branco e preto no próximo sábado.
Colaborou Giancarlo Santorum