Libertadores

Gabigol fez outra declaração de amor à Libertadores em forma de gol e se ratifica como um sinônimo da taça ao Flamengo

Se o que Gabigol fez em Lima já tinha sido uma passagem à eternidade, Guayaquil reitera que sua grandeza no torneio é enorme

Naquela tarde abafada de Lima, Gabigol conquistou sua passagem para a eternidade no Flamengo. Mesmo com os gols empilhados no 2019 mágico para os rubro-negros, nada se compara ao milagre que liderou diante do River Plate. Trouxe o sopro de ar quando as esperanças se viam sufocadas e logo transformou aquele suspiro de vida em vendaval. Não precisava fazer mais nada pelo Fla, que a história do bicampeonato da Libertadores era muito sua. Mas ele fez. Estava presente em mais uma conquista, pronto para decidir. Para encontrar uma fresta num jogo amarrado, vislumbrar o atalho rumo ao gol e dizer que, sim, em Guayaquil, também teria gol do Gabigol. O gol que reitera o posto do atacante como um herói sul-americano do Flamengo, que de lambuja o torna o maior artilheiro brasileiro da Libertadores e que repete sua glória eterna.

Gabigol mudou um bocado nesses três anos desde Lima. As circunstâncias do Flamengo mudaram bastante nesse tempo todo, afinal – entre idas e vindas, entre diferentes treinadores e ideias de jogo, por mais que se preservasse uma base talentosíssima e uma sede constante por troféus. Na Libertadores de 2019, dá até para discutir se Gabigol foi o melhor jogador da competição – o prêmio de Rei da América, por exemplo, ficou com Bruno Henrique. Entretanto, existia uma ligação de Gabigol com a própria torcida que engrandecia sua adoração não só pelos tantos gols. Os rubro-negros se contagiavam um pouco mais com a energia com a camisa 9, com seu ar provocador, com sua vontade a cada bola. Era identidade, identificação. Mais ainda quando aquelas chuteiras permitem uma apoteose como a de Lima, depois de 38 anos de espera e outras tantas provações do clube nas competições continentais.

A Libertadores não seria tão doce para Gabigol nas últimas duas temporadas, é verdade. Marcou o gol na ida contra o Racing em 2020, mas se lesionou para a volta e fez falta. Já a campanha de 2021 teve grandes momentos do atacante, inclusive quando ele de novo tentou fazer a diferença na final. Nem tinha a sua melhor atuação em Montevidéu, com duas chances perdidas, mas apareceu num momento necessário para finalizar no canto e empatar o duelo contra o Palmeiras. O destino, entretanto, seria cruel para os rubro-negros naquela prorrogação que nenhum torcedor gosta de lembrar. Restava se reconstruir para 2022.

A parceria de Gabigol mudou. Bruno Henrique, lesionado, não podia mais ser o companheiro dinâmico que assombrou defensores por tantas vezes. Entrou Pedro com uma fome de gols imensa e muita contribuição ofensiva, mas outro estilo de se comportar nas proximidades da área. Gabriel não seria mais aquele pronto a definir dentro da área. Seria mais o homem a flutuar, a colaborar, a entregar o passe e a abrir os espaços – sob as orientações de Dorival Júnior, alguém que o conhecia bastante para saber o que pedir. Gabigol se dá bem nessa função, porque tem versatilidade e também enorme inteligência. Mas o fato de deixar de ser o artilheiro gerou questionamentos, naturais, sobretudo pelos gols que deixaram de vir. Pelas chances perdidas que não faziam necessariamente falta, mas poderiam facilitar ainda mais.

Os números de Gabigol na Libertadores de 2022 não são ruins, longe disso. Foram seis gols e três assistências, com atuações importantes na fase de grupos e também papel de destaque em parte dos jogos dos mata-matas. Diante do que fazia Pedro, no entanto, o camisa 9 era um personagem menor. Não era mais o artífice das goleadas, como ocorreu em 2019. Só não parecia tão incomodado quanto muita gente que insistia em criticá-lo. Permanecia como uma ignição não só do elenco, como da própria torcida, tal qual seu gesto de chamar o Maracanã durante os pênaltis, antes do título da Copa do Brasil, tão bem representou. Talvez pressentisse que seu momento iria chegar. Seria premiado. Predestinado.

(Hector Vivas/Getty Images/One Football)

A decisão em Guayaquil foi uma partida que se moldou a favor de Gabigol. O Athletico Paranaense tentou tirar os espaços e encaixou a marcação individual. Era preciso alguém que lesse o campo muito bem e se movimentasse para bagunçar o posicionamento dos adversários. Gabigol faz isso. A conversa com Dorival Júnior e Diego Ribas à beira do campo, enquanto Filipe Luís era atendido, se torna bastante ilustrativa. Numa primeira etapa tão difícil para os flamenguistas, alguns dos poucos escapes vieram na flutuação do camisa 9.

Gabigol teve um papel vital na falta que sofreu de Pedro Henrique e gerou o primeiro cartão amarelo ao zagueiro. Quando aconteceu a expulsão, o camisa 9 estava mais atento do que qualquer outro. E de novo entendeu muito bem o que acontecia na zaga desmontada para estar lá, sozinho, pronto no segundo pau para escorar o cruzamento de Everton Ribeiro. Desta vez ele não desperdiçaria. A final da Libertadores é o terreno que tanto gosta. Podia comemorar e botar sua marra, com todo direito.

O segundo tempo seguiu contando com a participação de Gabigol, mas era um Flamengo mais à vontade. O Athletico precisou ter outra postura e os flamenguistas controlaram na base do passe. As brechas, entretanto, continuavam à disposição de Gabigol. Teria a melhor chance da etapa complementar, num bolão de Arrascaeta, mas parou no goleiro Bento, rápido na saída. Também poderia ter se consagrado como garçom, não fossem dois passes que não saíram da melhor maneira. O que fez, de qualquer forma, já valeu mais uma taça. Saiu antes do apito final, mas teria os holofotes ao seu redor.

Gabigol chegou a 29 gols na história da Libertadores, 28 deles anotados com o Flamengo. Igualou Luizão como o brasileiro que mais balançou as redes na história da competição. Precisou de apenas cinco edições do torneio para fazer tanto. Em duas delas, a América ficou aos seus pés.

Com o que aconteceu em Guayaquil, definitivamente, Gabigol conquistou sua passagem para a eternidade da Libertadores. Não precisa fazer muita coisa mais para ser tratado como um grande da competição, mas tem tempo de sobra para querer mais, e comprovadamente estrela para brilhar. Ao Flamengo, a esta altura, o nome de Gabriel já soa como um sinônimo do torneio continental. Vai ser automático para qualquer rubro-negro pensar na taça e associá-la ao camisa 9 de braços flexionados, com a bola no fundo das redes em uma final.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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