Foi contra o Olimpia que Carpegiani estreou como técnico do Flamengo em 1981, antes de conduzir o time aos seus maiores feitos
Primeiros duelos entre Flamengo x Olimpia na Libertadores ocorreram na campanha do primeiro título rubro-negro
Flamengo e Olimpia se enfrentam por uma vaga na semifinal da Copa Libertadores e resgatam um passado importante na competição continental. Esta será a quarta edição do torneio em que os dois clubes se enfrentarão, antes sempre por fase de grupos. Neste século, o duelo aconteceu em 2012 e 2002, com duas vitórias olimpistas e dois empates. Mas, ainda que os rubro-negros nunca tenham vencido os franjeados, os adversários fazem parte de sua campanha mais celebrada. Foram dois empates contra os paraguaios na conquista da América em 1981.
Se o Flamengo contava com a base de seu famoso esquadrão naquela temporada, após a conquista do Campeonato Brasileiro, o Olimpia também merecia respeito. Os alvinegros tinham levado a Libertadores em 1979 e atravessavam uma série de seis títulos consecutivos no Campeonato Paraguaio. Nomes como Éver Hugo Almeida, Alício Solalinde, Evaristo Isasi e Jorge Guasch protagonizavam os franjeados, então dirigidos pelo uruguaio Roque Fernández. Já o Fla alinharia naqueles jogos boa parte do timaço que se eternizou nos meses seguintes.
O primeiro encontro ocorreu pela terceira rodada do Grupo 3, que também reunia Atlético Mineiro e Cerro Porteño. O Flamengo somava três pontos, ao empatar com os atleticanos no Mineirão e derrotar os azulgranas no Maracanã. Já o Olimpia precisava de uma resposta, após dois empates por 0 a 0, em Assunção e em Belo Horizonte. E não é que os rubro-negros atravessassem o melhor momento. Dino Sani foi o treinador da equipe nas duas primeiras partidas, mas seria demitido exatamente antes do jogo contra o Olimpia.
O motivo oficial para a demissão realizada pela diretoria foi a “divergência de métodos de trabalho”. O presidente Antônio Augusto Dunshee de Abranches acusava Dino Sani de prejudicar dois dos principais jogadores do time, Adílio e Mozer. Porém, os resultados satisfaziam até aquele momento (com o título da Taça Guanabara pouco antes) e o técnico possuía uma boa relação com os jogadores. Nos bastidores, havia outra razão primordial: o rompimento de Dunshee de Abranches com Joel Teppet, ex-vice-presidente de finanças, que era amigo de Dino Sani e possibilitou a vinda do comandante. O treinador ainda costumava jantar com Teppet e colocou seu cargo à disposição durante a saída do dirigente. Dentro do clube, alguns acusavam Dino Sani de tomar decisões influenciado por Teppet. Com a demissão, cortava-se esse elo.
Em sua despedida, Dino Sani não escondia a frustração e mesmo os jogadores pareciam não entender muito a decisão. “Meu relacionamento com o time era dos melhores. Quando cheguei, contornei todos os problemas que havia no ambiente e estava tudo muito bem, o ambiente era dos mais tranquilos. Tive realmente casos como o de Adílio e Mozer, mas um técnico também tem que castigar seus jogadores quando algo vai mal. E uma forma de castigar é a reserva. Depois, como ficou provado nos dois casos, eles voltam ao time. Todos tinham o mesmo direito de recuperar a posição da equipe”, afirmou o técnico, ao Jornal do Brasil.
Naquele momento, o Flamengo negociava com Nelsinho Rosa para assumir a equipe. Zagallo também foi cogitado. A solução, todavia, estava no próprio clube: Paulo César Carpegiani, que acabaria efetivado. O meio-campista recém-aposentado tinha voltado ao clube por intermédio de Dino Sani, para se tornar seu auxiliar. O treinador havia sido importante à sua afirmação no Internacional. Além do mais, Carpegiani era um velho conhecido dos craques rubro-negros, ele mesmo uma referência da equipe dentro de campo até meses antes. Apesar do início como interino, acabaria se firmando no posto.
“Infelizmente, Dino Sani não agradou por seus métodos. E eu, que fui levado à condição de auxiliar técnico por ele, sinto muito sua saída. Mas encaro a chance como uma oportunidade muito boa, gosto dos grandes desafios e das grandes responsabilidades. Sinceramente, dirigir o time do Flamengo nestas ou em quaisquer circunstâncias não me assusta. Ao contrário, é motivação para qualquer profissional”, apontava Carpegiani. “Sou favorável ao futebol ofensivo, com dois pontas abertos, e minha filosofia de jogo é procurar o ataque”.
Mesmo assumindo a prancheta na véspera do jogo contra o Olimpia, Carpegiani lidou bem com a missão. Ele tinha sido o responsável por observar os adversários, a pedido de Dino Sani, e conhecia bem os perigos que os franjeados representavam. O novo treinador não pôde contar com Andrade, lesionado, e por isso escalou Vítor no meio-campo. Além disso, Mozer e Rondinelli ficaram afastados da equipe, numa semana em que ambos foram pivôs de controvérsias. Figueiredo e Marinho compuseram a zaga. No ataque, Baroninho era o titular após Lico voltar de empréstimo, enquanto Cantarele ocupou a meta no lugar de Raul.
“Temos que jogar com calma. O Olimpia é um time que joga à base de contra-ataques e tem dois pontas muito velozes. Vamos enfrentar uma retranca e sei que teremos problemas nos contragolpes. Mas com tranquilidade e atenção na defesa superaremos os obstáculos para garantir uma vitória que nos dará mais segurança”, comentava Carpegiani, ao Jornal do Brasil.
Diante das turbulências nos bastidores, o Flamengo não passou de um empate no Maracanã, ficando no 1 a 1. O tropeço era considerado como uma oportunidade perdida, mesmo que o Fla aparecesse na liderança ao lado do Atlético Mineiro. Não foi uma boa partida dos rubro-negros, que perderam uma série de chances durante o primeiro tempo. Mesmo Zico não indicava tanta inspiração. O gol, ainda assim, veio aos 22 minutos. Numa falta que resvalou na barreira, a sobra ficou limpa para Adílio marcar. Já no segundo tempo, Isasi carimbou a trave e Solalinde decretou o empate cobrando falta. Desorganizado, o Flamengo não recobrou o prejuízo.
Para Zico, o ambiente do clube teve sua influência em campo, como falou semanas depois ao Jornal do Brasil: “Queiram ou não, a saída de Dino Sani, da forma como aconteceu, nos afetou bastante. Não é que tenhamos entrado em campo desmotivados, mas, intimamente, inconscientemente, sentimos o impacto daquela demissão. Afinal, era um amigo e sua queda pesou bastante. Ninguém esperava que ele saísse e, quando soubemos, ficamos assustados e tristes. Isso tira a concentração de um time. Mesmo assim, podíamos ter ganho, mas atuamos mal. Talvez, devido a isso”.
Na sequência da Libertadores, o Flamengo empatou com o Atlético Mineiro por 2 a 2. Com os três pontos somados pelo Galo contra os paraguaios em Belo Horizonte, o Fla precisaria vencer seus dois últimos compromissos em Assunção para assegurar a classificação direta no Grupo 3. Vale lembrar que apenas o líder da chave passava ao triangular semifinal. E a confiança dos rubro-negros aumentou após o duelo contra o Cerro Porteño, em que o time de Carpegiani fez uma ótima exibição e bateu os azulgranas por 4 a 2.
Contra o já eliminado Olimpia, assim, o Flamengo se classificaria com uma vitória simples. Um empate forçava um jogo-desempate contra o Atlético Mineiro. E mesmo com o compromisso fora de casa, a empolgação de Carpegiani pelo nível de seu time estava expressa. O treinador chegou a apontar que “não existia time capacitado para derrotar o Flamengo, pela garra e pelo futebol apresentado”. Teceu mesmo comparações com a seleção brasileira tricampeã mundial em 1970.
“É lógico que não estou querendo fazer qualquer comparação com a Seleção de 1970. Apenas confio tanto no meu time que não temo mais ninguém. Em 70, assistíamos aos jogos do Brasil pela televisão e sabíamos que ninguém poderia derrotá-lo. Assim se passa agora comigo. Lembro-me ainda que naquela ocasião chegava a torcer para que nosso adversário fizesse um gol para o jogo endurecer um pouco mais, tal a facilidade do time brasileiro para conseguir suas vitórias”, avaliava Carpegiani, ao Jornal do Brasil.
“Nunca vi esta equipe tão unida quanto agora. Quem convive com a gente sente isso perfeitamente e percebe que não estou falando por falar”, complementava. “Estou no Flamengo há alguns anos e nunca ouvi por parte de ninguém elogios à competitividade do time. Sempre se fala no talento individual, na técnica, mas nunca na garra dos jogadores. Agora não, vou aliar a técnica à garra. Meu time tem que ser competitivo e ele já mostrou que tem condições para isso”.
Carpegiani ainda guardava elogios especiais a Zico, pela maneira como impulsionava o coletivo: “O Zico pode ser visto em várias partes do campo e não se limita a combater no meio-campo e a tentar as jogadas de gol. Zico percebe exatamente o setor que está descoberto e se desloca para lá. Por isso, às vezes, o vemos na ponta direita, na esquerda e nas duas laterais. Aliás, nosso time vem atuando com esse espírito de colaboração e Adílio é outro que também está em todas as partes”.
Do outro lado, havia conversas sobre um incentivo financeiro do Atlético para o Olimpia buscar a vitória. O técnico Roque Fernández garantia que o objetivo era recuperar o brio: “Não temos mais chances, mas o futebol paraguaio passa por um momento difícil e só com bons resultados iremos superar tudo. Acho que isso é o suficiente para entrarmos em campo motivados e conquistarmos um bom resultado diante do Flamengo, uma equipe poderosa e que tem prestígio internacional. Tenho confiança. Acho que não podemos perder o otimismo e empatar no Maracanã é uma prova de que não somos inferiores ao Flamengo – se bem que, contra o Cerro, aqui no Defensores, o Flamengo mostrou um futebol bem mais aguerrido”.
O Flamengo tinha algumas alterações para o reencontro com o Olimpia, em relação ao jogo no Maracanã. Raul havia retomado seu posto no gol, enquanto Mozer acompanhava Figueiredo no miolo de zaga. Vítor e Baroninho se mantinham entre os titulares, enquanto o restante da equipe reunia nomes célebres como Leandro, Júnior, Adílio, Zico, Tita e Nunes.
No fim das contas, o Flamengo não manteve seu nível de desempenho no Defensores del Chaco. O empate por 0 a 0 não resolveu a vida dos rubro-negros, embora não tenha custado a eliminação. De novo, o Fla desperdiçou boas chances de garantir o resultado. Porém, o Olimpia também teve méritos por sua boa marcação e pela qualidade no toque de bola. Os franjeados chegaram a tomar conta das ações e pressionaram em parte do primeiro tempo. O Flamengo melhorou na segunda etapa, mas a noite descalibrada de Nunes não ajudou. Com o resultado, os cariocas igualavam a pontuação do Atlético Mineiro e precisavam disputar um jogo extra.
“Tivemos nossas chances e não soubemos aproveitar. Empatamos com um grande adversário e na casa deles. O fato de que estavam sem chances e portanto desmotivados não alterou em nada o padrão de futebol do Olimpia. Esta desmotivação é muito relativa, afinal, disputaram uma partida internacional”, diria Zico, depois do encontro. O principal assunto nos jornais, ainda assim, era a “mala branca” do Atlético Mineiro ao Olimpia. Conforme apuração do Jornal do Brasil, os alvinegros desembolsaram 3 milhões de cruzeiros pelo empate franjeado. Tal discussão alimentava um clima tenso para a decisão entre os brasileiros.
Em Goiânia, o Flamengo consumou sua classificação na desastrosa noite protagonizada por José Roberto Wright, até hoje reclamada pelos atleticanos. A equipe passaria por Deportivo Cali e Jorge Wilstermann no triangular semifinal, antes da vitória sobre o Cobreloa na decisão. Já o reencontro com o Olimpia levaria um tempo para acontecer, se repetindo apenas nos anos 1990, pela extinta Supercopa e também pela Copa Mercosul. As quartas de final dessa edição da Libertadores guardam a ocasião mais importante desde aquela fase de grupos de 1981. E o Fla tenta sua revanche, depois de se dar mal contra o Rey de Copas nas Libertadores de 2002 e 2012.