Dorival passou por muitos altos e baixos para alcançar a glória eterna depois de tantos anos na estrada
Dorival estava em uma fase mais pagada da sua carreira, com trabalhos esporádicos, quando foi contratado pelo Flamengo e chegou ao ápice de uma longa carreira
Dorival Júnior passou por muita coisa na carreira. Ninguém passa impune pelo moedor de técnicos brasileiros que temos em vigor. Os altos e baixos fazem parte do jogo, e Dorival certamente teve a sua parcela de baixos. Havia parado de assumir um clube atrás do outro, receita que raramente dá certo, curiosamente depois de sua passagem anterior pelo Flamengo. Saíra do circuito dos 12 clubes considerados grandes. Passou pelo Athletico Paranaense e estava fazendo bom trabalho no Ceará quando foi chamado para retornar à Gávea. E não apenas ganhou a chance de comandar o elenco mais caro do país, como também conquistou o maior título da sua carreira. Dorival Júnior agora faz parte do seleto grupo de treinadores campeões da Libertadores.
Ex-volante e sobrinho de Dudu, ídolo do Palmeiras que jogava na mesma posição nos anos sessenta e setenta, Dorival trabalha como técnico desde o começo do século. Ganhou estaduais por Figueirense e Sport antes de chegar ao Cruzeiro, em 2007. Conseguiu vaga na Libertadores e chegou a esboçar uma briga pelo título, antes de uma derrocada no final que quase custou a classificação. Acabou não ficando. Após ganhar o Paranaense pelo Coritiba, foi contratado pelo Vasco e conduziu a campanha do acesso em 2009. O seu momento mais marcante (até agora) foi no ano seguinte, quando comandou aquele time maravilhoso do Santos que tinha Robinho, Neymar e Paulo Henrique Ganso. Ganhou o Campeonato Paulista (com contornos dramáticos) e a Copa do Brasil, jogando um bom futebol, e foi uma figura importante na formação de tantos garotos talentosos.
Mas… uma divergência com Neymar sobre quem cobraria pênaltis acabou custando o seu emprego. A missão seguinte foi salvar o Atlético Mineiro de um rebaixamento quase irreversível, mas acabou entrando em uma lógica também comum a treinadores brasileiros: pular de clube em clube, sem respirar, e também sem conseguir grande sucesso. Treinou o Internacional, o Flamengo, o Vasco e o Fluminense até chegar ao Palmeiras. Sua contratação era especulada há anos pela ligação com o clube. O momento, porém, não foi ideal. Era o ano do centenário e o cinto estava apertado. Ricardo Gareca havia sido demitido, e o rebaixamento era iminente. No fim, o Palmeiras não caiu novamente, muito mais pela benevolência dos adversários do que pelo que conseguiu fazer em campo. Dorival não conseguiu melhorar o desempenho.
Se foi contratado na hora errada, também foi demitido na hora errada (para ele) porque o Palmeiras começaria a se tornar uma potência logo em seguida. Dorival tirou alguns meses para respirar e retornou triunfalmente ao Santos. Levou-o da zona do rebaixamento ao sétimo lugar, depois foi vice-campeão, com classificação à Libertadores. Foi mandado embora no começo do Campeonato Brasileiro de 2017, mas essa demissão é mais aquela que dirigentes brasileiros fazem quando estão entediados. Fez um ótimo trabalho e, em um momento no qual se falava tanto de técnicos estrangeiros, mesmo antes de Jorge Jesus, era tido como um dos melhores brasileiros. Pelo menos um raro espécime que não armava times excessivamente defensivos.
A curva da sua carreira, porém, voltou a embicar para baixo. Foi o sucessor de Rogério Ceni no São Paulo. Conseguiu evitar o rebaixamento, mas não mostrou evolução em 2018. A demissão chegou em um momento no qual as atuações tricolores eram sofríveis. As derrotas se acumulavam, e poucos torcedores lamentaram a decisão da diretoria. Ele terminou aquele ano pelo Flamengo, com um desempenho bem melhor. Ficou em alta, até ganhando moral por ter encarado Diego Alves que, segundo o técnico, queria voltar imediatamente ao time após um período afastado por lesão. Não continuou por questões mais políticas que técnicas. Rodolfo Landim ganhou a eleição para presidente e preferiu contratar Abel Braga. Dorival tirou um ano sabático antes de assumir o Athletico Paranaense, no lugar de Tiago Nunes, o que parecia um casamento perfeito entre um clube que tenta fazer as coisas diferentes e um técnico que havia mostrado métodos e ideias frescos. Durou apenas alguns meses.
O hiato dessa vez foi até maior. Dorival saiu do circuito por quase dois anos antes de assumir o Ceará, em março, o que tornou o seu retorno ao Flamengo uma surpresa. Não pela demissão de Paulo Fonseca, que em nenhum momento conseguiu organizar o seu time de futebol, mas porque não estava mais no topo das listas de técnicos de primeira linha. A decisão acabou sendo muito inspirada porque o dedo de Dorival está claro nos títulos que o Flamengo conquistou. Melhorou o ambiente, para começar, e mudou o esquema tático para encaixar Pedro – que quase foi embora, lembra? – ao lado de Gabigol. O desempenho de Éverton Ribeiro, um dos craques da final, subiu exponencialmente. O Flamengo passou a jogar de uma maneira mais coletiva, mais agradável, mais feliz, e os resultados apareceram.
Dorival de fato passou por muita coisa na carreira. Demissões injustas, atrito com estrelas, críticas da torcida. É verdade que nada muito diferente do que outros técnicos que ficam tanto tempo na estrada passam. A novidade foi ter tido a oportunidade de uma redenção tão emblemática. De volta a um clube que havia treinado duas vezes e que mantinha viva a sombra de Jorge Jesus, com um patamar de exigência altíssimo. Não era um trabalho fácil de ser realizado, e ele também contestou a hipótese de que apenas técnicos estrangeiros conseguiriam realizá-lo. Com a experiência de todos esses altos e baixos, Dorival conquistou o maior título do futebol sul-americano, deixando suas impressões digitais na campanha. Atingir o ápice tão tarde na carreira é realmente raro.