Diniz, eu estava errado sobre você, felizmente, e admito isso
Há alguns anos achava que era apenas uma boa ideia que não se provava viável. Por seu mérito e pela confiança do Fluminense, a boa ideia se mostrou viável e vencedora
A vida é um eterno aprendizado. Nunca estamos sempre certos ou sempre errados. Um bom debate sobre o apaixonante futebol não significa tentar impor sua opinião ou vender sua razão. A troca de ideias é o grande barato. Além de descobrir nossos equívocos e corrigir rotas.
Não é simplesmente pela conquista da Libertadores, mas pela viabilização de sua ideia que fico feliz por ter me equivocado sobre o trabalho de Fernando Diniz, em agosto de 2019. Em um programa de TV do qual participava eu opinei o seguinte, no dia em que o Fluminense demitiu Diniz após derrota por 1 a 0 para o CSA, pela Copa do Brasil, no Maracanã:
“Quem contrata o Fernando Diniz hoje é por modismo, não é por resultado. O que leva alguém a contratá-lo? Talvez porque é mais barato. O Fernando Diniz é só uma ideia bacana, não tem resultado que sustente”. Acrescentei, criticando o ato da demissão: “Se você contratou por uma ideia, e não por um resultado, não pode mandar embora. Acho que faltou coerência nessa atitude”.
Passados quatro anos, quis o destino que o Fluminense que havia demitido Diniz tivesse bancado a ideia, evoluída, corrigida e aprimorada, para que viessem o título carioca e a conquista da Libertadores.
Eu errei sobre Diniz, e admito isso
Onde estava meu equívoco? Justamente na avaliação da ideia, no sentido de que é preciso tempo e ajustes para fazê-la viável. De nada adianta um projetista desenhar um avião lindo, veloz, revolucionário, se ele é inviável economicamente. Todos achamos que temos ideias geniais, mas a realidade mostra que a maioria delas não se sustenta no mundo real. No futebol o mundo real é o resultado, não adianta espernear.
Na história do futebol houve treinadores que flertaram com revoluções e terminaram sendo ironizados. O caso do checo Zdenek Zeman, em seu trabalho na Itália, talvez seja o mais conhecido nessa linha. A Holanda de 1974 é citada como uma revolução sem resultados e sem herdeiros. Mas a ideia do futebol total, embora seja creditada a Rinus Michels (que venceu bastante, menos com a seleção da Holanda) é de um inglês chamado Jack Reynolds, que treinou o Ajax por muitos anos e de quem Michels foi jogador.
Diniz nunca quis ser revolucionário, mas foi vendido assim
Diniz nunca se vendeu como revolucionário. Assim ele foi vendido por algumas análises. Sua carreira de treinador, iniciada em 2009, ganhou volume em 2016, quando foi vice-campeão paulista com o Audax. Nem sei se o que ele pensa de futebol se encaixa na ideia do futebol total. Pude entrevistá-lo algumas vezes e sempre me pareceu que seu objetivo fosse vencer jogos e torneios, como qualquer outro treinador, mas que além disso ele desejava melhorar seus comandados como atletas e pessoas. Ouvi um ótimo podcast do Cléber Machado com ele e até comentei com o Cléber que a CBF precisava de alguém como o Diniz comandando as categorias de base.
A vida seguiu, e os resultados demoravam a chegar para chancelar as ideias do Diniz. Porque a vida no mundo da bola é dura e é preciso vencer – e Diniz quer vencer, claro. Achei que quando ele foi para o Athletico Paranaense seria a tempestade perfeita, o vento levou. Em 2020/21 ele bateu na trave com o São Paulo. Estou certo de que o famoso episódio da bronca em Tchê Tchê abriu caminho para reflexões e correções de rota no trabalho e nos métodos de Diniz. O Fluminense de 2023 pode até ter nascido de um conceito que existia no de 2019, mas a execução é diferente.
Vencer a Libertadores não garante a ninguém ser ótimo treinador, no entanto
Vencer a Libertadores não garante uma carteirinha de sócio remido no clube dos grandes treinadores. Embora sejam bons profissionais, Celso Roth. Valdyr Espinosa e Antônio Lopes, que venceram a Libertadores, não aparecem em muitas listas de melhores do Brasil.
Para mim, o que simboliza o trabalho de Diniz no Fluminense e me deixa feliz por eu ter me equivocado sobre ele há quatro anos, é a recuperação de Paulo Henrique Ganso. Considero Ganso o Elo Perdido (teoria que diz que houve um último ancestral comum entre chimpanzés e seres humanos, que seria o Elo Perdido. Mas é uma teoria) do futebol brasileiro.
O ancestral comum entre o futebol brasileiro dos Anos Dourados da década de 1960 e os dias de hoje. Ouvi de muita gente séria e capacitada que Ganso, por problemas físicos e de postura em campo, seria apenas uma lembrança do garoto genial que explodiu em 2010. Com Diniz e suas ideias, Ganso voltou a dar recitais e a ser competitivo. Além dele, outros seis jogadores com mais de 30 anos foram titulares do Flu campeão da América. Todos melhores como jogadores e, penso eu, como seres humanos.
Mais do que simplesmente ganhar jogos, era essa percepção de melhorar pessoas e atletas que Diniz já tinha em 2019 e eu não soube ler. Felizmente, hoje posso reconhecer esse equívoco. Não significa que a partir da conquista da Libertadores tudo que Diniz fez antes fosse perfeito ou vá daqui em diante. Nada disso. Houve erros, derrotas, projetos fracassados. Chama-se vida. Hoje percebo que, dentro de um microcosmo que imita a vida como poucos, Diniz defende o nobre objetivo de melhorar a ele mesmo e aos que o cercam. Isso vale muito mais que qualquer suposta revolução tática.