Libertadores

Diante das aparições decisivas de Armani, um Cruzeiro insuficiente precisa encarar a frustração

O Cruzeiro poderia ter diferentes leituras da realidade antes do jogo decisivo contra o River Plate, pelas oitavas de final da Copa Libertadores. O Mineirão lotado parecia disposto a ver o empate por 0 a 0 na Argentina como uma oportunidade, que dependeria da iniciativa dos celestes. O próprio Cruzeiro, entretanto, não se impôs como a ocasião pedia. Estava mais preocupado em proteger a defesa do que em garantir logo o resultado. Esperou uma bola fortuita que não veio por pouco durante o primeiro tempo, ficou sufocado pelo relógio quando começou a melhorar e, ao final, terminou de experimentar a crescente frustração nos pênaltis. Franco Armani se tornou o carrasco. Com o novo empate por 0 a 0, o goleiro pegou dois pênaltis e garantiu o triunfo millonario por 4 a 2. Renovou o trauma dos cruzeirenses contra equipes argentinas na competição continental e deixa Mano Menezes sob muitas críticas, diante do baixo rendimento ao longo dos últimos meses. A esperança virou insatisfação.

Os primeiros minutos no Mineirão davam a impressão de que o jogo do Monumental de Núñez se repetiria. O River Plate, mesmo jogando fora de casa e encarando uma torcida muito empolgada, tomou a iniciativa. O time de Marcelo Gallardo se postou no campo de ataque e trabalhava a bola com paciência, empurrando o Cruzeiro para trás. Mais uma vez, os comandados de Mano Menezes pareciam dispostos a jogar em cima do erro do adversário. Apesar da qualidade da zaga, é pouquíssimo ao potencial celeste. Um sofrimento desnecessário.

Que o Cruzeiro tenha buscado uma chegada ou outra durante os primeiros minutos, logo o River Plate começou a dominar a situação. Mais uma vez, faltava uma postura incisiva dos argentinos na conclusão das jogadas, mas não se negava que o incômodo era constante. Enquanto isso, a Raposa dependia de espasmos. E, mesmo assim, quase o gol saiu aos 15 minutos, na melhor chance da noite. Thiago Neves cruzou e Pedro Rocha insistiu, para encher o pé diante do gol. Armani apareceu como salvador pela primeira vez, operando um milagre para salvar com a perna em cima da linha. O tiro ainda bateu no travessão, até ser neutralizado. Os cruzeirenses dependiam deste tipo de atitude.

Não seria simples assim. O Cruzeiro pecava demais na transição. E o River não demorou a responder. Rafael Santos Borré tentou, sem dificultar para Fábio, antes que Nacho Fernández assustasse em arremate para fora. O passar dos minutos diminuiu as aberturas. O time de Mano Menezes parava na marcação adiantada durante a construção de suas jogadas, enquanto os argentinos eram bem mais presentes no campo de ataque. Só que, assim como no Monumental, a zaga celeste mantinha Fábio sem muito trabalho em sua meta. Que fosse um jogo difícil, não parecia tão fechado quanto o receio dos mineiros sugeria.

Depois de um início de segundo tempo com muitos erros, Armani reapareceu para desviar um cruzamento fechado de Orejuela. Léo também ameaçou, após cruzamento de Egídio. No entanto, a melhora concreta aconteceu a partir da entrada de Robinho, aos 15. Enfim, o Cruzeiro ganhou presença no meio-campo e soube cadenciar melhor o seu jogo. Já não dava para o River Plate continuar em cima todo o tempo, procurando uma brecha. Neste momento, os celestes tendiam à vitória, finalmente rondando a área adversária de maneira constante. A entrada de Fred ajudaria neste sentido.

O Cruzeiro era muito mais vivo no jogo, apesar de pecar nas tentativas de romper uma defesa igualmente bem postada. Marquinhos Gabriel poderia ter feito melhor, especialmente após infiltração, enquanto Thiago Neves mandou para fora. O River Plate, por sua vez, tratava de arrancar em contragolpes e buscar as faltas na vizinhança da área. Andava difícil de superar outra ótima atuação de Dedé, se agigantando na zaga. Por fim, a partir dos 40 minutos, quando qualquer suspiro poderia evitar os pênaltis, os cruzeirenses ainda tentaram adiar o sofrimento. O setor ofensivo seguiu sem funcionar, precisando definir sua história na marca da cal.

As penalidades guardaram um duelo particular entre dois grandes goleiros, Fábio e Armani. Porém, se o sucesso recente do Cruzeiro nos mata-matas dependeu da estrela do veterano nos 11 metros, desta vez o argentino se deu melhor. Buscou o chute de Henrique e não teve dificuldades para espalmar a péssima batida de David. Os millonarios, por outro lado, acertaram o pé e não deram chances a Fábio se consagrar mais uma vez. O gosto de frustração aos cruzeirenses era óbvio, com a derrota por 4 a 2. Ao final, um misto de aplausos e vaias tomou o Mineirão. Reconheciam o esforço, mas sabiam que a postura foi insuficiente.

E o sabor amargo prevalece. O Cruzeiro saiu de Buenos Aires com um saldo importante, especialmente pela maneira como se segurou durante a maior parte do jogo e deu sorte com o pênalti perdido no fim. A derrota para o próprio River por 3 a 0 em 2015 deixou suas lições, mas ainda pedia-se mais ao time nesta terça. Um bocado de minutos acabaram desperdiçados por pura impotência e a equipe, sem balançar as redes há seis jogos, não apresentou nada muito diferente para criar. Será difícil recobrar a realidade, com esperança do tri na Copa do Brasil servindo de parco brilho, enquanto a fogueira da zona de rebaixamento no Brasileirão queima a nuca.

Melhor ao River Plate, um time extremamente copeiro, que se valeu de um goleiraço como Armani. O milagre no primeiro tempo e os dois pênaltis defendidos no fim foram essenciais para levar os millonarios às quartas de final, nas quais enfrentarão Cerro Porteño ou San Lorenzo. Pode também não ser a fase mais impressionante do time de Marcelo Gallardo, que pouco criou nestes dois jogos, mesmo atuando quase sempre no ataque. Ainda assim, os detalhes penderam a quem realmente foi melhor no confronto.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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