Clube mais antigo do Uruguai, o Albion está de volta à primeira divisão após incríveis 113 anos de ausência
O Albion possui um papel importante na formação do futebol no Uruguai, mas atravessou mais de um século entre o amadorismo e a inatividade, até seu salto mais recente como profissional
O Albion Football Club é bastante simbólico à história do futebol do Uruguai. O clube pode não ter a fama de outros vizinhos, mas foi a primeira agremiação surgida no país a se dedicar exclusivamente à modalidade. O Pioneiro foi fundado por um discípulo de William Leslie Poole, o professor de literatura que serviu como um “Charles Miller local”, ao introduzir o esporte em Montevidéu. Além disso, os Leões influenciaram até mesmo na criação da seleção uruguaia e da liga local. Apesar da extrema relevância, porém, o Albion viveu décadas no ostracismo. Mesmo sendo vice-campeã na edição inaugural do Campeonato Uruguaio, a equipe não disputava a primeira divisão desde 1908 e por um século existiu basicamente no amadorismo, com diferentes períodos de inatividade. Contudo, depois de tanto tempo, o Pioneiro volta ao topo. Nesta terça, o time confirmou o acesso para a primeira divisão, encerrando o hiato de incríveis 113 anos.
Seis anos antes da fundação do Albion, em 1885, o inglês Wiliam Leslie Poole desembarcou no Uruguai para lecionar. Na época, o futebol já era disputado de maneira esporádica no país, especialmente em clubes ingleses dedicados a outras modalidades. O professor, no entanto, ajudou a organizar a prática do esporte em Montevidéu e a introduzir as regras. E um dos alunos de Poole seria exatamente responsável por fundar o então chamado “Football Association”, em 1891, primeira agremiação dedicada totalmente ao futebol no Uruguai. O clube idealizado por Henry Candid Lichtenberger, de 18 anos, era composto por estudantes da English High School, onde Poole dava aulas, e nos primórdios permitia em seus estatutos apenas atletas nascidos no país.
O Football Association participou da primeira partida oficial no Uruguai, derrotado por 3 a 1 pelo Montevideo Cricket Club. A mudança de nome aconteceria semanas depois, com a adoção do ainda hoje usado Albion Football Club. A nova agremiação teria um papel fundamental para fomentar a expansão do futebol em Montevidéu e logo ganharia a companhia de novos adversários. Já em 1895 os estatutos foram modificados, com a permissão para estrangeiros no elenco. O próprio William Leslie Poole se tornaria um dos jogadores do Pioneiro neste período de transformação.
Em meio ao seu crescimento, o Albion chegou a disputar amistosos em Buenos Aires contra clubes locais e registrou a primeira vitória de uma equipe uruguaia fora do país. O pioneirismo também fez dos Leões um dos quatro clubes fundadores da Uruguay Association Football League, precursora da federação local, que organizou a primeira edição do Campeonato Uruguaio em 1900. O Albion seria um dos quatro participantes da liga, ao lado de CURCC, Deutscher e Uruguay Athletic. O Pioneiro acabou com o vice-campeonato, quatro pontos atrás do CURCC – o Central Uruguay Railway Cricket Club, que daria origem ao Peñarol.
Outro marco do Albion aconteceu em 1901, quando a equipe disputou um amistoso contra um combinado formado pelos melhores jogadores do Campeonato Argentino. Aquele duelo, no próprio campo dos Leões, é considerado por algumas fontes como o primeiro compromisso da seleção do Uruguai – como bem explicam os amigos do Futebol Portenho. A equipe uruguaia contava com nove jogadores do Albion, incluindo William Leslie Poole, além de outros dois atletas do Nacional, e o próprio uniforme usado era o rubroazul do Pioneiro. Os argentinos, entretanto, ganharam por 3 a 2. Já em 1902, ocorreu a primeira partida oficial organizada pela federação uruguaia. Nela estavam presentes três jogadores do Albion, em novo duelo com a Argentina.
Apesar da representatividade naquele momento, o Albion começava a se enfraquecer. Alguns jogadores importantes deixaram o clube, parte se juntando ao Nacional, com outros dissidentes fundando o Montevideo Wanderers. Perdendo destaques, o Albion passou a fazer campanhas na parte inferior da tabela já em 1901 e teria seu ponto mais baixo em 1905, quando foi o lanterna no Campeonato Uruguaio sem sequer pontuar. Depois disso, os Leões ficariam dois anos inativos na liga, até sua participação final de forma isolada em 1908. Desde então, não jogaram mais a primeira divisão.
O Albion deixaria de existir por alguns anos e acabaria refundado em diferentes momentos, quase sempre vinculado a torneios universitários ou competições entre bairros. A ideia era manter viva a agremiação que tanto correspondia aos primórdios do futebol uruguaio, com tal iniciativa muitas vezes partindo de dirigentes do Nacional – de ligação histórica com os Leões desde os primórdios. Na década de 1950, uma dessas versões do Albion chegou até mesmo a ser campeã nacional de futebol amador. Além disso, a atuação institucional passava por outros esportes, como o atletismo e o basquete. Filiado à federação uruguaia de futebol ininterruptamente desde 1978, o Pioneiro se manteve restrito às divisões regionalizadas a partir deste período. Isso até os saltos mais recentes.
A recuperação do Albion se deu durante a última década, com a melhora nas estruturas e a intenção de ingressar no profissionalismo – algo ainda inédito na trajetória dos Leões até então. Desde 2016, a agremiação opera como um clube-empresa, no modelo local de sociedade anônima desportiva. Paralelamente, dirigentes do Nacional seguiram se envolvendo com a organização e participaram do impulso inicial – também por interesses na disputa com o Peñarol pelo rótulo de clube mais antigo do país. Fato é que, esportivamente, o Pioneiro obteve seu sucesso de forma rápida a partir desta reformulação.
Já em 2017, o Albion tornou-se campeão da Segunda B Nacional, equivalente à terceira divisão do Campeonato Uruguaio. Numa decisão dentro do Estádio Centenário, derrotou o Colón por 2 a 1 e ficou com a vaga na Segunda Divisão Profissional. A partir disso, seriam quatro temporadas militando na segundona até a volta à elite. Nas três primeiras edições, o Albion fez campanhas na parte inferior da tabela e precisou lutar contra o descenso. Na segunda divisão de 2020, inclusive, o Pioneiro precisou disputar os playoffs contra o rebaixamento e acabou goleando o Colón por 7 a 1 no agregado. Seria o ponto de virada.
Na atual campanha, o Albion contou com um grande investimento de seus donos e reforçou bastante o elenco com o objetivo de lutar pelas cabeças. A aposta deu certo e o Pioneiro voou baixo na segunda divisão. O time ainda oscilou em posições intermediárias no início do torneio, mas pegou embalo e tomou a liderança para não largar mais na reta decisiva. O acesso ganha um peso maior considerando a quantidade de times tradicionais atualmente na segundona, com Defensor e Danubio rebaixados na temporada passada, além de Cerro, Rampla Juniors, Central Español e Racing.
O acesso do Albion foi comemorado com o empate por 1 a 1 contra o Racing, atual segundo colocado. O resultado foi suficiente para sustentar a vantagem de nove pontos dos Leões na liderança, sem mais riscos de serem ultrapassados nas duas partidas finais. O segundo colocado da divisão de acesso também sobe à elite do Campeonato Uruguaio, com Danubio e Cerro aparecendo como principais perseguidores do Racing. Já a terceira vaga é disputada nos playoffs, do terceiro ao sexto na tabela de classificação. É nesta zona da tabela que o Defensor aparece.
Treinador do Albion, Darlyn Gayol conseguiu exibir um futebol de posse de bola e equilíbrio nesta edição da segundona. O elenco possui bastante rodagem, com vários jogadores trazidos de outros clubes tradicionais das duas primeiras divisões do Campeonato Uruguaio e inclusive alguns com passagens recentes pelo exterior. Autor do gol do acesso, o atacante Maximiliano Callorda é um exemplo disso, com seu período mais significativo no Defensor, atuando depois em países como Equador e Peru.
“O Albion estava numa situação que não merecia, por tudo o que sua história significa aos primórdios da era do futebol e do esporte – pois, não nos esqueçamos que também fomos fundadores da Liga Universitária e da Federação de Atletismo. Então, creio que a história voltaria a colocar o Albion em seu lugar”, afirmou o presidente Leonardo Blanco, responsável pela reconstrução desde a última década, ao jornal Ovación. “Hoje é o momento de justificar essa história e que se volte a falar da melhor maneira, que nada seja forçado ou mal contado, que simplesmente a história flua”.
Na mesma entrevista, Blanco garantiu que não é intenção do Albion brigar pelo título de “Decano”, como clube mais velho do país. Por conta dos períodos inativos dos Leões, há uma longa disputa entre Peñarol e Nacional por tal rótulo. “Desde o primeiro dia eliminamos a palavra decano de nosso vocabulário, porque sabíamos que a única maneira que o Albion geraria reconhecimento seria através dos resultados esportivos e das ações sociais, e não indo aos livros”, afirmou Blanco.
Pela campanha realizada nesta segundona, ainda mais contra tantos adversários de peso, a expectativa é de que o Albion possa se restabelecer na elite e não apenas viver de uma aparição esporádica. As mudanças ainda precisam ser mais profundas, mas o salto dado nesta temporada abre novos horizontes e garante outras perspectivas ao Pioneiro. Assegurar-se na primeira divisão seria o mais digno para honrar uma história tão rica, que corresponde tanto às raízes do próprio futebol charrua.