América do Sul

Após 72 participações na elite, o Deportivo Pereira enfim celebra seu inédito título no Campeonato Colombiano

O Deportivo Pereira era o segundo clube com mais aparições na primeira divisão sem nunca ter levado um título, mas conseguiu finalmente quebrar o tabu

Fora da Copa do Mundo, a Colômbia decidiu não interromper o calendário de suas competições durante o Mundial. E justo num dia sem partidas no Catar, a grande história da quarta-feira vem de Pereira, cidade de 460 mil habitantes no interior colombiano. Pela primeira vez em sua história de 78 anos, o Deportivo Pereira conquista o Campeonato Colombiano. Os aurirrojos empataram com o Independiente Medellín nas duas partidas das finais do Torneio Finalización e, depois do 0 a 0 nesta quarta, celebraram a conquista com a vitória nos pênaltis por 4 a 3, diante de sua inflamada torcida. Com 72 participações na primeira divisão, contando os torneios semestrais, o Lobo era o segundo time que mais vezes tinha jogado a elite na Colômbia sem levar a taça. Além disso, a conquista acontece num momento de redenção, após o maior período do clube na segunda divisão: foram oito anos fora da primeira prateleira, com risco de falência, até o acesso recente em 2019.

Fundado em 1944, o Deportivo Pereira passou a integrar a elite do Campeonato Colombiano em 1949. Era um coadjuvante nos anos de Eldorado, com vários craques estrangeiros na liga pirata do país que escapava das regras da Fifa e pagava salários suntuosos. O desempenho mais honroso naquele auge viria em 1952, com uma terceira colocação, embora os aurirrojos tenham ficado distantes de competir com o campeão – o Millonarios de Alfredo Di Stéfano. Já nos anos seguintes, o Lobo manteve certa relevância. De 1957 a 1974, foram sete campanhas na terceira ou na quarta posição da tabela final de classificação. Também haveria outra caminhada com o quarto lugar, em 1982, por mais que os sinais de enfraquecimento se tornassem mais claros.

O sofrimento do Deportivo Pereira começou a desatar a partir de 1997, com o inédito rebaixamento. Os aurirrojos passaram três temporadas na segunda divisão, com o retorno em 2001. E aquele começo de década seria duro especialmente por ver o sucesso do maior rival, o Once Caldas, que até a Libertadores faturaria. Por mais que o Lobo tenha voltado a aparecer por vezes nas primeiras colocações, não passava do quarto lugar. E a situação logo pioraria, com o rebaixamento em 2011. Seria bem mais difícil de voltar, até pelos problemas amplos que afetavam os mantecaños.

O Deportivo Pereira correu sérios riscos de falência, por causa das dívidas e dos atrasos de salários. Com tantos problemas para resolver, ficou mais difícil de conquistar o acesso, especialmente diante do estreito gargalo da segundona colombiana. Se até mesmo um gigante como o América de Cali sofreu para retornar à primeira no mesmo período, o Lobo teve dificuldades maiores. Chegaria a bater na trave algumas vezes, até finalmente subir em 2019. O retorno para a primeira, por si, representava demais.

Um sinal de que o Deportivo Pereira poderia aprontar aconteceu na Copa Colômbia de 2021. A equipe despachou Junior de Barranquilla e Deportes Tolima para alcançar a inédita final, mas acabou goleada pelo Atlético Nacional. Já no Campeonato Colombiano, o time terminou o Finalización de 2021 na zona de classificação aos playoffs e caiu no quadrangular semifinal. Ainda não era um sucesso tão retumbante, mas os aurirrojos passavam longe dos riscos de rebaixamento.

A história mudou mesmo no Finalización de 2022. O Deportivo Pereira terminou a fase de classificação na quinta colocação, com 32 pontos. Numa tabela muito equilibrada, o time era o décimo colocado no início da última rodada, mas deu um salto ao vencer o Atlético Bucaramanga fora de casa e entrar no G-8. Já no quadrangular semifinal, o Lobo passou na liderança de uma chave duríssima, com Millonarios, Independiente Santa Fe e Junior. A equipe chegou a sofrer duas derrotas em suas três primeiras partidas, mas arrancou com três triunfos no returno. Então, a final aconteceu diante do Independiente Medellín.

Por ter a melhor campanha, o Deportivo Pereira ganhou o direito de decidir em casa. A ida, em Medellín, terminou com o empate por 1 a 1. Diber Cambindo abriu o placar para o DIM numa grande jogada individual, mas Leonardo Castro empatou ao Lobo na sequência, ao fintar o marcador e bater no canto. O goleiro Harlen Castillo ainda precisou fechar o gol dos aurirrojos no segundo tempo, ao pegar um pênalti batido por Andrés Cadavid e ainda fazer um milagre digno de Gordon Banks em cabeçada de Luciano Pons. O empate no Atanásio Girardot parecia um bom negócio, antes da definição em Pereira.

Já nesta quarta, a conclusão aconteceu no Estádio Hernán Ramírez Villegas, casa do Deportivo Pereira. O time seria recebido em campo com uma queima de fogos massiva, além de um bandeirão com a imagem de um menino sonhando com o troféu. O empate sem gols prevaleceu durante os 90 minutos, com o Lobo desperdiçando as chances mais claras, mas “Chipi Chipi” Castillo também fazendo boas defesas. E, na disputa por pênaltis, o goleiro seria essencial. Castillo defendeu as duas primeiras cobranças dos adversários e se tornou o responsável pela façanha. Consumou a vitória por 4 a 3 e o troféu do Deportivo Pereira.

https://youtu.be/K884tuYjHkE

O protagonismo de Castillo não deixa de ser simbólico. O goleiro é formado pelo clube e, aos 29 anos, participou ativamente da reconstrução a partir da segundona. Outro nome fundamental é o do atacante Leonardo Castro, formado pelo Lobo, mas com passagem recente pelo próprio DIM. Voltou para casa nesta temporada e marcou 15 gols ao longo do Finalización, em 26 aparições. Brayan Muñiz foi outro a entregar gols na frente. Mais atrás, a equipe contou com a experiência de Andrés Felipe Correa na zaga e do capitão Jhonny Vásquez no meio. Porém, é um elenco que passa longe de ostentar grandes medalhões.

Já no banco de reservas, o responsável é um treinador jovem: Alejandro Restrepo, de 40 anos. Saído da Universidad de Antioquia, o bacharel de educação física não foi jogador profissional. Fez seu caminho como técnicos de seleções regionais e também do time sub-17 da Colômbia. Depois, virou treinador da base do Atlético Nacional e dirigiu o time principal após a saída de Paulo Autuori. Até conquistou a Copa Colômbia de 2021, mas não passou mais do que nove meses no cargo. Foi então que o Deportivo Pereira, justamente o time derrotado na final da copa, concedeu uma oportunidade. Não se arrependeu, com o técnico estabelecendo um estilo de jogo direto e veloz ao seu time.

A conquista do Deportivo Pereira rendeu cenas muito bonitas. Torcedores e jogadores estavam bastante emocionados com o título do Campeonato Colombiano. Pudera, depois da espera de uma vida para que o momento chegasse. E não é só o grito de campeão que surge como novidade. O Lobo nunca tinha disputado um torneio continental antes, mesmo a Copa Sul-Americana, e agora estará na Libertadores de 2023, direto na fase de grupos. Com a conclusão do Campeonato Colombiano, todos os participantes estão confirmados. Serão nada menos que nove estreantes: Deportivo Pereira, Nacional de Potosí, Patronato, Ñublense, Curicó Unido, Aucas, Deportivo Maldonado, Boston River e Metropolitanos.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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