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Regular, confiável e com poucas lesões: como foi a passagem de Kalou pela Europa

A cruzada para que Keisuke Honda não fosse mais a estrela solitária do Botafogo terminou. Após tentativas com um marfinense, Yaya Touré, e um ex-jogador do Chelsea, John Obi Mikel, o clube carioca combinou os dois predicados e anunciou contrato de um ano em meio com Salomon Kalou, um marfinense ex-jogador do Chelsea. Mas o quanto o atacante de 34 anos poderá ajudar o “Put Fire”?

Em seu auge pelo Chelsea, no qual teve maior destaque no futebol europeu, Kalou pode ser definido como um jogador muito confiável. Não era o craque do time, raramente foi titular absoluto, mas era bastante utilizado, com exceção da passagem de André Vilas-Boas, o treinador do Chelsea que menos confiou em seu futebol . O que mais importa é que aproveitava bem os seus minutos em campo.

Aos números. Fez 254 partidas pelo Chelsea ao longo de seis anos. Pouco mais da metade (147) desde o início. Pegou um período de concorrência forte em Stamford Bridge. Didier Drogba sempre seria o centroavante e houve nomes mais famosos se candidatando a ser seu parceiro, como Hernán Crespo, Nicolas Anelka e Andriy Shevchenko. Também por isso, foi muitas vezes deslocado para os lados do campo, embora sua posição favorita fosse atrás do camisa 9.

Sua média de gols, porém, foi bem boa para a função que exercia. Anotou um a cada 231 minutos vestido de azul, ou seja, a cada dois jogos inteiros e metade de outro que estivesse em campo. Estendendo para a carreira inteira, a média de Kalou, que começou no futebol holandês pelo Feyenoord, foi emprestado ao Excelsior e ainda passou por Lille e Hertha Berlim, fica ainda mais animadora: um tento a cada 210 minutos.

A melhor notícia para quem contrata um jogador de 34 anos é que teve um histórico de lesões quase nulo. Segundo registros do Transfermarkt e do Soccerway, nunca passou muito mais de um mês afastado por problemas físicos.

Kalou chamou a atenção em duas temporadas pelo Feyenoord, entre 2004 e 2006, fazendo um gol a cada dois jogos. Na última campanha, foi o segundo artilheiro do Campeonato Holandês, com 20 gols, atrás de Dirk Kuyt, que fez 29. Naquela época, estava interessado em defender a seleção holandesa e chegou a tentar acelerar o processo de naturalização para disputar a Copa do Mundo de 2006.

Normalmente são necessários cinco anos no país para obter nacionalidade holandesa. Kalou tinha apenas três. Não foi aberta uma exceção, e ele ficou fora do torneio alemão porque nem poderia recorrer à Costa do Marfim, que já havia divulgado sua convocação. E, como não estava disposto a passar mais tempo na Holanda, deu a questão por encerrada.

“Depois da Copa do Mundo farei o que prometi ao meu irmão (Bonaventure Kalou, ex-capitão dos Elefantes) e jogarei pela Costa do Marfim. É o que me restou porque não espero jogar na Holanda muito mais tempo e não quero atrasar meu desenvolvimento”, disse, segundo a Sky Sports.

Suas preces foram atendidas. O Chelsea de José Mourinho contratou-o e ele teve a oportunidade conquistar os principais títulos do continente. Foi campeão da Premier League, em 2009/10, com Carlo Ancelotti, embora tenha sido praticamente um reserva, com apenas 11 das suas 23 partidas como titular. Venceu quatro vezes a Copa da Inglaterra e começou jogando a final da Champions League de 2011/12 contra o Bayern de Munique. O jogo do título europeu foi seu último pelo Chelsea.

Um ano antes, suas atenções estavam divididas. Alassane Ouattara foi declarado vencedor das eleições presidenciais de 2010 na Costa do Marfim, mas Laurent Gbagbo, no poder há dez anos, recusou-se a aceitar o resultado. Começou uma guerra civil que matou 3 mil pessoas, e a família de Kalou morava no país.

O jogador conseguiu transferir a mãe e as cinco irmãs para Togo, quando viajou a Gana para uma partida da seleção marfinense, mas chegou a ficar pelo menos três dias sem notícias do pai.

“É difícil entrar em campo e dizer que não estou pensando em pessoas morrendo todos os dias. Pensando nos meus amigos não conseguindo comer, meu pai sem ajuda. Para ser honesto, eu me preocupo todos os dias. Estou pensando nisso mais do que em qualquer coisa. Qualquer chance que tenho eu vou ao telefone ou checo as notícias porque essa é minha principal prioridade. Preciso ter certeza que minha família está segura”, disse, em entrevista ao Guardian.

Seu contrato com o Chelsea terminou em 2012 e não foi renovado. Havia atuado pouco na última temporada, com Ramires assumindo o lado direito da criação. Houve praticamente uma troca com o Lille. No mesmo mercado em que Eden Hazard se mudou para o Chelsea, Kalou acertou com o clube francês. Engrenou a partir da segunda temporada, com 12 gols nas últimas 15 rodadas. O Lille foi sexto colocado.

A temporada seguinte foi boa também e, com 16 gols, Kalou foi um dos cinco vice-artilheiros da Ligue 1, atrás apenas de Zlatan Ibrahimovic – dez gols atrás. Até chegou a começar a campanha seguinte, mas, com apenas 60 minutos nas quatro primeiras rodadas do Campeonato Francês, acertou a transferência para o Hertha Berlim, anunciada no último dia da janela de 2014.

Encontrou estabilidade na Bundesliga em seus primeiros cinco anos, quando fez 51 dos seus 53 gols e chegou a se colocar entre os dez maiores artilheiros da história do Hertha Berlim, com média próxima a um tento a cada três jogos – acabou ultrapassado por Ibisevic. Foi importante para que o clube se colocasse duas vezes seguidas entre os sete primeiros, com vaga na Liga Europa. Especialmente em 2015/16, quando fez 14 gols.

A preocupação para o Botafogo, porém, é, que desde maio do ano passado, jogou somente 281 minutos de futebol organizado, em meio a uma temporada acidentada desde o início. Não teve muito tempo de jogo com Ante Covic, demitido em novembro, e menos ainda sob o comando de Jürgen Klinsmann.

“Não é que estou aqui há cinco dias ou meses. Passei quase seis anos aqui e sempre fiz meus gols. Não preciso de tratamento especial pro causa disso, mas é sobre respeito e, no momento, há uma profunda ausência disso”, disse, segundo a imprensa de Berlim. “Estou em forma e preparado para jogar. Se o time precisar de mim, farei meu trabalho. Nunca passei por nada parecido antes. Nem no grande Chelsea”.

Klinsmann renunciou ao cargo em fevereiro e, algumas semanas depois, o Bild publicou trechos do seu diário em que considerava Kalou “muito velho e satisfeito”.

A pandemia interrompeu a temporada do futebol alemão pouco depois e também colocou um fim à carreira de Kalou pelo Hertha Berlim. No começo de maio, Kalou quebrou as regras do distanciamento social, no momento em que Bundesliga se esforçava para completar a sua temporada. E como nós sabemos disso? O próprio Kalou transmitiu sua transgressão pelas redes sociais.

A hipótese do clube é que ele ficou tão contente que testou negativo que saiu cumprimentando os outros jogadores, com apertos de mão, e até interrompeu o exame sendo aplicado a um de seus colegas. Cantou uma musiquinha que entrou para os anais do futebol como “Corona Song”.

“Com sua ‘Corona Song’, Kalou passou a impressão de que não está ciente da gravidade da pandemia. O vídeo gravado no vestiário do clube mostrou Kalou quebrando regras internas e expressando um comportamento que não é apropriado para a atual situação e não reflete o código de conduta do Hertha Berlim”, afirmou o clube, em uma nota na qual também anunciou que suspendeu o jogador de treino e partidas “com efeito imediato”.

A situação se torna um pouquinho mais bizarra porque, apenas três dias antes, Kalou havia dito que seria estranho voltar a jogar se as regras impedissem contato – o que evidentemente não fizeram. “Futebol é esporte de contato. Precisa ter contato. Então estou muito curioso para ver quais serão as regras quando voltarmos a jogar”, disse, em entrevista à BBC Africa.

Kalou pediu desculpas no mesmo dia em que foi suspenso – “Eu não pensei direito e fiquei muito empolgado que meus testes deram negativos” -, mas nunca mais atuou pelo Hertha Berlim. Anunciou na última terça-feira que estava deixando o clube ao fim do seu contrato. “Queridos torcedores do Hertha, muito obrigado por tudo. Obrigado à organização. Compartilhamos muitas boas memórias. Se Deus quiser, eu os verei novamente”, escreveu, no Twitter.

Apesar do sério escorregão durante a pandemia, Kalou sempre se mostrou um jogador confiável, com um desempenho muito regular. Não ter entrado em campo desde 30 de novembro, na derrota por 3 a 1 para o Borussia Dortmund, é a principal preocupação. Se recuperar o ritmo, e seu histórico de poucas lesões é um bom indicativo de que conseguirá, pode ser um reforço muito interessante para o Botafogo.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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