Bundesliga

O Hamburgo beira a decepção outra vez e aposta numa lenda, Hrubesch, para tentar um acesso que agora soa improvável

Capitão do título europeu em 1983 e exímio formador de talentos como treinador, o veterano assume interinamente para salvar a pátria

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Horst Hrubesch não é o nome mais conhecido fora da Alemanha, mas seu respaldo no país é imenso. Nos tempos de centroavante, foi um dos jogadores mais importantes da Bundesliga na virada dos anos 1970 para os 1980. Já como treinador, realizou um trabalho excepcional de formação na seleção sub-21. Aos 70 anos, o veterano poderia desfrutar a aposentadoria, mas continua ligado ao futebol. Continua ligado, em especial, ao clube de seus amores: o Hamburgo, do qual é um dos maiores ídolos da história. E sua missão nas próximas semanas será duríssima. Pela terceira temporada consecutiva na segundona, os Dinossauros parecem prontos a deixar escapar um acesso que esteve em suas mãos durante parte da campanha. Para evitar o novo fracasso, Hrubesch foi nomeado como o novo treinador, na tentativa de apagar o incêndio. A equipe caiu para a quarta colocação nesta terça-feira, com dois jogos disputados a mais que o terceiro colocado, além de distâncias razoáveis de cinco e sete pontos em relação aos dois primeiros.

Como jogador, Hrubesch era o perfeito ‘Panzer', o tanque de guerra que povoava o imaginário no futebol alemão como o centroavante ideal. Muito forte e alto, dominava a área adversária. Sua chega ao Hamburgo aconteceu em 1978, aos 27 anos, depois de um período de sucesso no Rot-Weiss Essen. E o exímio cabeceador, mesmo sem ser tão jovem, fez história em suas cinco temporadas com os Dinossauros. Tanto quanto os gols, seu caráter marcava o sucesso – como o líder de um grupo estrelado, com medalhões do porte de Kevin Keegan e Felix Magath. Hrubesch conquistou três títulos da Bundesliga, sendo artilheiro da competição uma vez. Mais notável, disputou duas finais de Champions e era o capitão da equipe campeã europeia em 1983, em cima da Juventus. Aquela conquista marcou um ponto final na trajetória do veterano pelo clube, logo se transferindo ao Standard de Liège. Neste ínterim, ainda foi decisivo para a seleção conquistar a Euro 1980 e também esteve presente no vice mundial em 1982, sua única aparição em Copas do Mundo.

A carreira de Hrubesch como treinador profissional inclui clubes como Rot-Weiss Essen, Wolfsburg e Dynamo Dresden, mas sem grandes feitos. Seus méritos maiores se concentram na formação de talentos, especialmente após ser nomeado como treinador da Alemanha Sub-21 em 2000. Foram nada menos que 16 anos à frente da categoria, aprimorando a transição de promessas e preparando melhor os jogadores para defenderem o Nationalelf. Vários craques alemães passaram por suas mãos, em especial na conquista do Europeu Sub-21 de 2009, que basicamente lançou a geração que contribuiria ao tetra na Copa de 2014. Manuel Neuer, Benedikt Höwedes, Jérôme Boateng, Mats Hummels, Sami Khedira e Mesut Özil eram titulares daquela equipe. Hrubesch também dirigiu outras categorias, levando ainda o Europeu Sub-19 de 2008. Também seria ele o responsável pela prata olímpica em 2016, além de dirigir interinamente a seleção feminina em 2018.

Hrubesch completou quase duas décadas como funcionário da DFB. Depois de deixar a federação, o treinador se reaproximou do Hamburgo. Era um antigo ídolo que se mostrava disposto a auxiliar os Dinossauros, em meio ao desterro do clube na segunda divisão. O papel do veterano, de volta ao Volksparkstadion após 37 anos, seria conduzir um trabalho que ele conhece tão bem: coordenar as categorias de base. Se o HSV deseja mesmo se reerguer, será fundamental aprimorar a formação de talentos e melhorar o potencial do clube, não apenas para auxiliar a equipe profissional, mas também para fazer dinheiro. Todavia, nesta semana, Hrubesch foi convidado a voltar para a beira do campo. Será o técnico interino dos hamburgueses nas três rodadas finais da segunda divisão alemã. Terá uma bomba para desarmar, num time que não vence há cinco rodadas e só ganhou dois de seus últimos 12 compromissos. A seu favor, é alguém com história e que sabe lidar bem com o brio dos jogadores, considerando a vasta experiência, sobretudo com jovens.

O filme é repetido em Hamburgo. Assim como aconteceu na temporada passada e também na retrasada, desde o inédito rebaixamento do clube, os Dinossauros se mostram incapazes de competir até o final e devem deixar a chance de retornar à elite escapar. A primeira decepção aconteceu em 2018/19, quando o HSV começou bem a segundona e terminou o primeiro turno com seis pontos de vantagem na zona de acesso. Os resultados degringolaram na metade final da competição, em especial a partir de março. Os hamburgueses emendaram oito rodadas sem vencer, incluindo cinco derrotas, o que permitiu ao Paderborn tirar uma diferença de 12 pontos. Na última partida, o Hamburgo até ganhou, mas o resultado nem adiantou, com o time um ponto abaixo da zona de acesso. Já tinha caído ao quarto lugar faltando quatro rodadas, superado pelo Union Berlim, e por lá permaneceu até o encerramento da campanha.

O fracasso de 2019/20, se não foi tão melancólico, guardou requintes de crueldade. O Hamburgo de novo nadou de braçada no primeiro turno, apesar de um final mais instável. Ainda assim, terminava a metade inicial da competição em situação confortável no G-2. A oscilação aconteceu já na metade do segundo turno, quando o HSV deixou a zona do acesso direto. Mas o problema maior foi a maneira como a equipe criou falsas esperanças na reta final, com vitórias de peso, mas também tropeços inacreditáveis. Faltando três rodadas, os Dinossauros ainda ocupavam a segunda colocação, mas cederam o empate ao inócuo Osnabrück e tomaram uma virada épica do Heidenheim, rival direto pela promoção. Já na rodada final, quando o time brigava ao menos pelos playoffs de acesso, tomou 5 a 1 em casa do inofensivo Sandhausen e novamente terminou no quarto lugar, um ponto atrás do Heidenheim na terceira colocação.

Já em 2020/21, mesmo que a torcida esteja calejada, o Hamburgo maltratou um pouco mais os corações de seus seguidores. A equipe venceu os cinco primeiros compromissos, embora tenha ficado sem ganhar os cinco seguintes. Nesta montanha-russa, emendaria depois 11 partidas de invencibilidade, com sete vitórias no período. O time encerrou o primeiro turno com 36 pontos, só um a menos que em 2018/19. Todavia, numa edição mais equilibrada da segundona, os Dinossauros não abriram uma vantagem maior do que cinco pontos no G-3. E os sinais de desgaste se tornaram evidentes logo em fevereiro, com uma nova série de cinco jogos sem ganhar. Foram só mais duas vitórias depois disso, que ainda sustentaram a equipe na zona do acesso direto, mas nada que evitasse a impressão de que o filme se repetirá mais uma vez.

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Nesta sequência ruim, várias vezes o Hamburgo saía atrás no placar e só conseguia buscar o empate. Porém, também perdeu jogos que pareciam garantidos, em especial um 0 a 3 que virou 3 a 3 contra o Hannover 96. E nem dá para dizer que a tabela difícil atrapalhou. Mesmo que tenha empatado com Greuther Fürth e Holstein Kiel, dois adversários diretos, o HSV venceu o líder Bochum e o quinto colocado Heidenheim. A série de tropeços foi ainda mais custosa pelas derrotas contra times na rabeira da tabela. Os Dinossauros chegaram a ser batidos por lanterna e vice-lanterna nesta reta final. Assim, não dá nem para dizer que a tabela nas próximas rodadas ajuda tanto assim, mesmo encarando o atual penúltimo colocado e também o antepenúltimo.

A presença do Hamburgo nas três primeiras colocações durante as últimas semanas já era um tanto quanto mentirosa. A segunda divisão alemã teve vários jogos adiados por conta de surtos de COVID-19, incluindo no elenco do Holstein Kiel, um dos principais perseguidores dos Dinossauros. Ultrapassado por Bochum e Greuther Fürth, o HSV chegou a ficar com três partidas a mais que o Kiel. Nesta terça, então, aconteceu a ultrapassagem. Os semifinalistas da Copa da Alemanha bateram o Sandhausen e assumiram a terceira posição. Ficaram um ponto à frente do Hamburgo, em quarto, mas ainda têm dois jogos a menos. Que o Holstein Kiel encare uma sequência desgastante de partidas em poucos dias e esteja propenso a tropeços enquanto seu time volta ao ritmo depois da quarentena, a vantagem é clara neste momento.

Faltando mais três rodadas, o Hamburgo soma 52 pontos. Até pela fase recente, parece muito difícil que tirem a desvantagem de sete pontos em relação ao líder Bochum e de cinco pontos para o vice-líder Greuther Fürth. Na melhor das perspectivas, o HSV vai contar com a colaboração do Holstein Kiel e acabar na terceira colocação, ainda precisando disputar os playoffs de acesso. Porém, neste momento, a maior parte da torcida já aceitou a ideia de figurar pela quarta temporada consecutiva na segunda divisão, agora com a companhia do Schalke 04. Os Dinossauros se afundam, deixando para trás a bonança de outros tempos e o poderio financeiro que, há uma década, os incluía nas listas de 10 clubes mais ricos da Europa.

Dá até para dizer que o Hamburgo demorou demais para mudar seu comando técnico. Nas duas temporadas anteriores, a diretoria apostou em diferentes fórmulas. Começou com Christian Titz, um homem da casa, e depois contratou Hannes Wolf, jovem de trabalhos promissores na base do Dortmund e que havia subido com o Stuttgart meses antes. Nenhum dos dois emplacou em 2018/19. Já em 2019/20, o HSV recorreu ao experiente e tarimbado Dieter Hecking, que decepcionou bastante e não demonstrou qualquer apego à instituição. Assim, para 2020/21, veio Daniel Thioune. O antigo comandante do Osnabrück era promissor, mas já com uma experiência razoável nas divisões de acesso. Não foi capaz de evitar as oscilações e, mesmo com o voto de confiança, naufragou no Volksparkstadion.

No fim, Thioune parecia perdido. O treinador, reconhecido pelas variações táticas, passou a realizar uma série de improvisações (mesmo sem problemas de lesões) e mais atrapalhava do que ajudava. Isso afetou a autoconfiança do Hamburgo. Além do mais, a falta de liderança que impactou em outras campanhas na segundona se repetiu, assim como houve uma quebra na relação dos atletas com o comandante – algo apontado até por dirigentes, ao justificarem a demissão. O chamado a Hrubesch, a esta altura, soa mais como desespero do que qualquer outra coisa. Aposta num salvador, que consiga descobrir uma forma de motivar o plantel e transmitir o que a camisa representa. Ainda há um Monte Everest a escalar, até pensando na possibilidade de disputar os playoffs, mesmo que o HSV supere o Holstein Kiel pela terceira colocação.

Em campo, o Hamburgo ainda preserva um elenco forte para o nível da segunda divisão. Entre os reforços desta temporada chegaram o goleiro Sven Ulreich, cansado de ser um bom reserva no Bayern; o zagueiro Toni Leistner, de vasta experiência; e o centroavante Simon Terodde, que empilhou gols na segundona em outras oportunidades. Juntavam-se a jogadores presentes no HSV desde os tempos de elite, como Aaron Hunt e Bakery Jatta, além de valores adicionados nessas edições de segundona, como Jeremy Dudziak e Tim Leibold. Todavia, o grupo perdeu seus rumos durante o segundo turno. Mesmo que Terodde seja o artilheiro da segundona com 21 gols, caiu muito desde a virada de ano. Até mesmo Ulreich não é o goleiro confiável que se esperava.

Ofensivamente, o Hamburgo é o melhor time da 2. Bundesliga. Os Dinossauros somam 60 gols, donos do melhor ataque ao lado do Greuther Fürth. A defesa, porém, é uma das piores da metade de cima da tabela, com 39 tentos sofridos. E o problema maior são os empates em excesso, dez no total, que atravancaram o desempenho. O aproveitamento no Volksparkstadion não é nada impressionante e se mostra ainda pior fora de casa. Natural que equipes mais regulares, e menos badaladas, consigam lidar melhor com a pressão. Bochum, Greuther Fürth e Holstein Kiel devem formar o G-3 e seguir os passos de outros clubes de menor orçamento que subiram neste triênio – como Arminia Bielefeld, Union Berlim e Paderborn. Desta vez, o HSV não teve nem mesmo um Stuttgart ou Colônia para reduzir o funil, como foram nas duas campanhas anteriores. E na próxima edição, enquanto o Schalke 04 pode ser uma pedra no sapato, mesmo que sua situação extracampo seja claudicante, ainda há o risco de caírem equipes mais estruturadas como o Hertha Berlim e o Werder Bremen.

Nestes três anos, o Hamburgo já admitiu sua retração e sabe que a reconstrução levará mais tempo, mesmo que o acesso saia em breve. Os Dinossauros perderam patrocínios e viram suas receitas encolherem, ainda mais pelos efeitos da pandemia. O elenco abriu mão de grande parte dos nomes da primeira divisão, por mais que alguns deles tenham se mantido no início da empreitada pela segundona. Até o lendário relógio do Volksparkstadion, que marcava o tempo de participação na primeira divisão, acabou desinstalado. Existe uma consciência de que a realidade atual é outra e os pés no chão são necessários. Não é isso, porém, que exime os erros e que evita a pressão pela promoção. A terceira derrocada consecutiva indica não apenas uma incapacidade de lidar com os problemas, mas também as cobranças enormes que custam ao mental de um time costumeiramente criticado.

A escolha de Hrubesch como treinador interino pode até não durar, mas deixa uma mensagem: é importante que o Hamburgo se cerque de profissionais com estofo e que reconheçam a grandeza da camisa. Não foi o que aconteceu durante este triênio infeliz, na maioria das vezes, seja dentro de campo ou nos corredores do Volksparkstadion. O clube trabalhou por tentativa e erro, com mudanças constantes até na diretoria. Só uma conjunção de fatores explica tamanha decepção, mesmo que o HSV permaneça com melhores condições que a maioria absoluta dos concorrentes na segundona. E ela passa não apenas por um psicológico em frangalhos, que se perde a cada reta final, mas também por uma falta de competência para decidir nos momentos cabais. Hrubesch, ao menos, possui uma vasta experiência neste sentido que pode transmitir aos jogadores. E, nos próximos anos, deve incutir tal mentalidade na base – como tão bem fez na seleção.

A questão sobre o Hamburgo nem é mais sobre quando o clube voltará à primeira divisão. É em quais condições. A cada temporada longe, a capacidade financeira do HSV diminui, mas também há uma chance de repensar escolhas e tentar fazer um projeto de longo prazo fora da megalomania. O problema é que os Dinossauros já demonstraram que não sabem mais o que traçar, entre tantos rumos diferentes adotados nestes três anos – ou até mais, considerando o período em que o clube flertava com o rebaixamento na elite. Ainda há tempo para formar uma equipe melhor adaptada à segundona e que se torne mais competitiva na próxima temporada. Ainda assim, fica a dúvida se haverá capacidade de lidar com a pressão quando a hora da verdade chegar. Neste momento, não dá nem mesmo para dizer que os hamburgueses aprenderam com os erros, porque eles se repetem de forma parecida. Hrubesch tentará seu milagre e, se conseguir o acesso nessas condições, é para ser ainda mais venerado como uma lenda pelos torcedores do Hamburgo.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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