Lucas von Cranach, CEO do OneFootball: “Se tornarmos o futebol pouco acessível, não será mais um esporte de massa”
Em setembro deste ano, o OneFootball surpreendeu ao anunciar a transmissão da Bundesliga no Brasil pelos próximos três anos em seu aplicativo, sem custos aos usuários. O movimento foi o mais recente sinal dos tempos de mudança que vivemos em termos de transmissão de eventos ao vivo, e o CEO da empresa, o alemão Lucas von Cranach, garante que o OneFootball não irá parar por aí.
[foo_related_posts]Em entrevista exclusiva à Trivela, Lucas falou sobre a parceria recente com a liga alemã, detalhou os planos do aplicativo no Brasil e comentou suas impressões sobre o mercado de transmissão de futebol e o impasse vivido em meio à fragmentação contínua das ligas em diferentes emissoras e serviços.
O CEO tem uma solução interessante para o futuro das transmissões, um cenário de maior flexibilidade ao consumidor, que poderia fazer assinaturas exclusivas para o seu clube ou liga preferidos sem ter que se comprometer com um pacote enorme e caro, repleto de jogos que não lhe interessam.
Sobre a aquisição recente, Lucas afirmou que a transmissão gratuita da Bundesliga será feita sem custos ao longo dos próximos três anos, com a arrecadação do OneFootball girando em torno de acordos de patrocínio com empresas como a VBET, parceira exclusiva de apostas do serviço.
Além disso, o CEO confirmou algumas novidades sobre a transmissão da Bundesliga no Brasil. A partir de novembro, os jogos, que por enquanto só podem ser vistos dentro do aplicativo para celular, serão exibidos também via navegador e Chromecast. A transmissão, atualmente apenas em inglês, devem ganhar uma equipe brasileira também no mesmo mês.
Com enorme presença no Brasil, o OneFootball acompanha com atenção as discussões que têm acontecido no futebol brasileiro sobre a Lei do Mandante. Particularmente, Lucas von Cranach não vê com bons olhos que clubes possam negociar individualmente suas transmissões domésticas, sob risco de aumentar a diferença entre aqueles da prateleira de cima e os da de baixo. Dito isso, a empresa está sempre em busca de clubes parceiros para difusão de conteúdo, e partidas, é claro, fazem parte disso.
Por fim, sem poder revelar mais detalhes no momento, o CEO garantiu que o OneFootball está em constantes conversas para fechar mais parcerias de transmissão e que em breve o serviço deverá oferecer outra importante liga para o mercado brasileiro.
Trivela: Vocês têm um acordo de três anos com a Bundesliga para a transmissão da competição no Brasil, e os usuários podem assisti-la de graça. Será este o caso ao longo do acordo, ou existem planos de passar a cobrar pela transmissão no futuro?
Lucas: O modelo definitivamente permanecerá do jeito que está, não vamos mudar para um modelo com cobrança. Vamos seguir no modelo atual durante todas as três temporadas.
Trivela: Seria este o caso também para qualquer futura competição a ser transmitida no OneFootball?
Depende primeiro do ativo e depois do modelo, em termos de parceria. Por exemplo, quando tivemos uma parceria com a Sky na Alemanha pela Bundesliga II e pela Copa da Alemanha, que lá são ativos da prateleira de cima, nós não pudemos decidir como distribuir, porque era uma parceria de distribuição, e a Sky queria ter o pagamento. Então dissemos “OK, vamos fazer pay-per-view”. A Sky então pressionou por um determinado preço, e foi eles quem decidiram. Em 99% dos casos, trabalhamos com os donos dos direitos de transmissão, e eles decidem o modelo. Eu tenho uma visão clara de como eu gostaria que fosse, mas depende da parceria, do escopo, do cronograma etc.
Trivela: Neste caso da Bundesliga, que é gratuita no Brasil, como é que a OneFootball capitaliza em cima dessa parceria?
Em primeiro lugar, a ideia era: o Brasil é o nosso maior país em termos de base de usuários, e até agora nós oferecemos aos usuários no Brasil uma experiência de plataforma de mídia perfeita em termos de conteúdos gratuitos, com dados, estatísticas, vídeos e, agora, trouxemos a transmissão de partidas e os vídeos de melhores momentos. E a razão pela qual estamos oferecendo de graça é porque vemos isso como uma ferramenta para levar os usuários ao OneFootball e a valorizar o OneFootball. É um sinal HD, é ao vivo e é exclusivo. Queremos conquistar os corações brasileiros e levá-los a acompanhar a Bundesliga. Foi um pouco de última hora, para ser sincero, e é por isso que ainda estamos tentando recuperar o atraso com alguns recursos, com os comentários em português brasileiro, etc. Mas, antes de tudo, foi um investimento na entrega de transmissão ao vivo a um país louco por futebol, em conexão com uma das cinco maiores ligas do mundo. Sobre a capitalização, é financiado por anúncios, e nós temos um patrocinador principal, que é a VBET, e eles são nossos parceiros exclusivos de apostas. Mas nós temos a possibilidade de colocar mais anúncios, é uma abordagem neste sentido, e o objetivo é apresentar o OneFootball como uma plataforma de mídia aos fãs de futebol do Brasil.
Trivela: Por ora, temos narração e comentários em inglês nas transmissões da Bundesliga no OneFootball. Existe alguma previsão de quando teremos uma equipe brasileira?
Em algum momento em novembro. Seria melhor ter os comentários em português brasileiro agora, mas Roma não foi construída em um dia. Pelo fato de ter sido de última hora, não tivemos muito tempo de apresentar o ativo para os consumidores brasileiros. Tivemos literalmente uma semana. Mas faremos isso o mais rápido possível e sabemos que tem valor. Mas também não se esqueça que a abordagem do OneFootball não é apenas promover o jogo do Bayern de Munique no Brasil, mas também alcançar torcedores alemães expatriados. Nós vimos, por exemplo, que uma partida do Hamburgo teve cerca de dois mil espectadores. E eu te digo o que é isso: são pessoas alemãs, de Hamburgo, ou com algum grau de parentesco, querendo assistir à Bundesliga no Brasil.
No OneFootball, quando você baixa o aplicativo você seleciona seu time e seleção preferidos, e nós sabemos exatamente quantos torcedores do Hamburgo temos no Brasil, e eu posso te dizer que esses torcedores são fanáticos. Você não escolhe o Hamburgo porque ele é um time fantástico que joga na segunda divisão alemã e que não será promovido. Você realmente precisa ser fanático. E é por isso que eu te digo que há torcedores que não veem problemas em assistir com comentários em inglês. Mas a audiência mais ampla, que verá jogos do Bayern de Munique ou do Borussia Dortmund, eles querem ter os comentários em português brasileiro.
Trivela: Falando em comentaristas, tem um nome que tem pipocado nas redes sociais, com as pessoas pedindo sua inclusão na futura equipe: Gerd Wenzel. E aí, teremos Gerd Wenzel nas transmissões da Bundesliga no OneFootball?
Agora farei um anúncio: serei eu. (risos) Bom… sem comentários.
Trivela: Já começaram os testes para que os usuários possam ver as partidas via desktop. Quando podemos esperar que isso seja lançado para o público geral?
Assim como os comentários em português, por volta de novembro.
Trivela: Existem planos para novas ligas serem adicionadas?
Eu e o OneFootball não queremos nos comprometer a nada, mas o nosso modelo é trabalhar com donos de direitos de transmissão, que são as ligas, as federações e os clubes, e com os detentores de direitos, que são as emissoras e as agências. E estamos em conversa com todos, literalmente. Haverá mais, posso dizer que estamos em discussões, especialmente nos próximos dois anos. Porque as emissoras são cuidadosas, as agências são cuidadosas, e nós agora somos parte do ecossistema, e eles nos veem assim. Então nós definitivamente queremos trazer mais ligas para o Brasil, nosso maior país em termos de base de usuários.
Trivela: Em 2019, vocês fizeram um acordo com a emissora Eleven Sports no Reino Unido para a transmissão de algumas partidas de La Liga. Podemos esperar mais parcerias do tipo, especialmente no Brasil?
Exatamente. São algumas discussões: uma com as ligas que não conseguiram vender direitos em alguns países e outra com as emissoras interessadas em parcerias de distribuição com o OneFootball, seja para transmissões gratuitas ou pagas. E então há as agências, como Mediapro, IMG… São várias diferentes, que tentam revender os direitos. Estamos em contato com todas essas partes.
Trivela: Falando de maneira mais geral sobre transmissões, o OneFootball chacoalhou o mercado de transmissão de futebol com esta parceria com a Bundesliga. Um tempo atrás, foi a Amazon, que começou a exibir algumas partidas da Premier League com exclusividade no Reino Unido. Mais recentemente, Manchester United e Liverpool fizeram um conjunto de propostas na Inglaterra, e um dos pontos previa que os clubes poderiam transmitir algumas de suas partidas diretamente para torcedores por meio de seus canais em países estrangeiros. Em meio a tudo isso, em que direção você vê a transmissão de futebol nos próximos anos? E o quanto você espera que a TV tradicional reaja, considerando que eventos ao vivo são o que sustentam essas empresas mais tradicionais?
Eu poderia falar sobre isso por uma hora, porque, nessa pergunta, precisamos fazer várias divisões. É uma questão de TV linear contra o digital. É uma questão de pacotes contra planos individuais. É uma questão de ativos de primeiro, segundo e terceiro escalões. Precisamos olhar para isso de maneira diferente. E então tem também a grande questão, e eu digo isso neutralmente: o Coronavírus acelerou o processo de rever o verdadeiro valor dos direitos de transmissão.
O que está óbvio é que várias partes perdem dinheiro ou usam transmissões ao vivo para reforçar um ativo, sabendo que perderão dinheiro no processo. É uma ferramenta de marketing. Eu acredito que, a longo prazo, teremos a continuidade da fragmentação. No passado, você pagava € 20 por mês para ter acesso a todas as competições de futebol, e hoje você paga € 200, mas é o mesmo conteúdo. Uma entrega melhor, sim, mas ainda é futebol. E isso é algo que acredito que não poderá continuar.
Não podemos ir em direção a mais fragmentação e a encarecer, porque isso levaria a um risco para o futebol. E isso é o que quero dizer também a cada participante do ecossistema: se tornarmos o futebol pouco acessível, o futebol não será um esporte de massa. Você está o colocando atrás de um paywall, você está dificultando para que as pessoas, não agora, mas na próxima geração, assistam. Elas vão dizer: ‘Prefiro investir meus € 25 mensais para conteúdo em Spotify, Netflix e Amazon Prime. E não estou disposto a pagar R$ 50 por uma só partida, quando posso ter, pelo mesmo preço, séries e filmes sob demanda.
Esta é a discussão que devemos ter. Portanto, nós, do OneFootball, nos vemos não como uma ameaça, mas como uma solução para trabalhar contra a fragmentação sem que os donos e os detentores de direitos de transmissão percam sua posição.
Você vê esta tendência da fragmentação seguindo por muito tempo ou acha que as empresas estão cientes de que acabarão afastando os torcedores?
Antes de tudo, o que precisa acontecer é os donos e os detentores de direitos de transmissão pensarem de maneira mais centrada no consumidor. No momento, trata-se das ligas querendo mais dinheiro, porque os clubes querem mais dinheiro, então eles aumentam o preço, e então as emissoras não podem comprar todos os direitos e acabam dividindo, porque ninguém consegue arcar. Eles repassam o preço que pagaram. Todos nessa cadeia, os clubes, as ligas e então os detentores de direitos, esquecem o consumidor.
As pessoas estão dispostas a pagar por conteúdo quando é uma boa experiência, mas precisa ser a um preço que as pessoas podem bancar. E, no futebol, precisa ser fora de um pacote. Na música, você pode dizer que ama música em geral. E aí tem algumas pessoas que dizem que só ouvem rock ou Lady Gaga. Mas a maioria das pessoas são ecléticas, e o Spotify precisa entrega tudo. No futebol, eu quero ver todos os jogos do Colônia ao vivo. É um time ruim, mas eu quero ver. Depois, eu provavelmente quero ver mais 15 jogos: na Champions League, na Bundesliga, talvez um Juventus x Napoli. Mas talvez não mais do que isso, além das partidas da seleção alemã. É isso: eu não quero ver futebol, eu quero ver essas partidas específicas. Então por que eu deveria pagar cada vez mais se o conjunto de partidas que eu quero ver não está aumentando?
Este é o desafio que estamos vivendo, e a única solução é voltar para preços razoáveis. Isso em termos do valor que vemos em um ativo. Porque então as emissoras podem oferecer preços justos aos consumidores. Mas é complexo, envolve todos na cadeia: emissoras, clubes, ligas e detentores de direitos. Eles precisam chegar à conclusão de que não pode continuar como está.
Trivela: Já estamos começando a ver, no Brasil por exemplo, agregadores, como o UOL, em que você paga um valor fixo e tem acesso aos principais canais de esportes. Você acha que esse é um caminho? E uma plataforma como o OneFootball poderia ser um desses agregadores, oferecendo um pacote?
O que eu adoraria fazer, e isso é algo que eu promoveria, é ter algo pelo qual as pessoas poderiam e adorariam pagar, oferecendo uma assinatura mensal para um clube. A Juventus, por exemplo, por € 3,99 por mês; e um jogo pay-per-view por € 1,99. Acho que esta é a maneira certa para o futuro, como eu gostaria. A maioria das emissoras não pode fazer esta segmentação, mas nós podemos, porque sabemos, já que 95% dos usuários nos informaram seu clube favorito em diferentes ligas. Nós sabemos exatamente quantos seguidores da Serie A ou de clubes da Serie A existem no Brasil. Podemos enviar uma notificação push para os, sei lá, 150 mil torcedores do Milan que existem no Brasil. E, se considerarmos que 20% desses estão dispostos a pagar € 3,99, estamos chegando a números sérios. Se você multiplicar isso por 18 ou 20 times, em diferentes países…
Trivela: Por fim, não sei se vocês têm acompanhado as discussões em termos da Lei do Mandante no Brasil, que permitiria aos clubes vender seus jogos dentro de casa individualmente. Isso abriria novas oportunidades para empresas como o OneFootball. Isso é algo que vocês têm seguido e teriam interesse em investir ou não faz parte da estratégia?
Não sei como colocar, mas existe uma razão pela qual existem ligas. Há uma razão pela qual as ligas são as representantes de todos os clubes. Peguemos um exemplo alemão, para eu não entrar em conflitos brasileiros. Se você desse essa possibilidade aos consumidores alemães ou aos clubes alemães, os clubes grandes ficariam mais ricos, e os pequenos, mais pobres, o que levaria a uma situação como a Ligue 1 em cada país. As dúvidas seriam: quantas partidas eles vencerão, de quantos pontos será sua vantagem. Não haveria competição alguma. Então, quando você faz como um coletivo, que é a liga, claro que o Bayern de Munique e o Borussia Dortmund recebem mais, mas eles não recebem 80% do dinheiro. E o motivo pelo qual você precisa de uma liga é para impulsionar isso (divisão mais justa), para que um clube como Augsburg ou Union Berlim não recebam apenas um milhão de um total de um bilhão.
Acho que (algo como a Lei do Mandante) é muito imediatista, porque, sim, é melhor para os maiores clubes, como o Flamengo. Mas essas ligas realmente acham que é uma boa ideia que esses clubes criem uma grande discrepância, o que também poderia levar clubes menores a quebrar, porque eles não têm os recursos para competir? Eu colocaria um ponto de interrogação em cima disso. Talvez seja uma boa ideia para os mercados internacionais, em que você dá a possibilidade de os clubes venderem seus ativos fora do país, porque aí tem a ver com o marketing que você faz, com que lugares você visita. Mas para os direitos domésticos, que correspondem à maioria do dinheiro de transmissão, acho que não é uma boa ideia.
Trivela: Mas você estaria disposto a fazer parcerias com esses clubes para a transmissão de suas partidas no OneFootball?
Estamos fazendo parcerias com os clubes o tempo todo. Assinamos com o Manchester City, Schalke, Monaco… Inicialmente, para que distribuam seu conteúdo editorial em nosso canal. E então, sobre discutir com eles e distribuir suas partidas por pay-per-view ou uma assinatura mensal… Eles seriam estúpidos se não fizessem isso. Para eles, trata-se de maximizar as receitas, e não manter os consumidores apenas na plataforma do clube. Claro, estamos mais do que abertos para fazer parcerias assim.