Bundesliga

Liga alemã aprova mudança na regra 50+1 e exceções, como era o Hoffenheim, não serão mais permitidas

Um caso como o de Dietmar Hopp, que pôde ignorar o 50+1, não vai mais ocorrer; enquanto isso, Leverkusen e Wolfsburg passarão por parâmetros mais rígidos

A regra do 50+1 é o principal pilar do futebol alemão. A legislação atual da Bundesliga não permite que um único acionista tenha mais de 50% do poder decisório num clube, embora ele possa ultrapassar essa parcela em relação aos direitos econômicos. Há exceções nos casos dos clubes fundados por grandes companhias ou de financiamentos que superem os 20 anos. Apesar das reclamações de que o 50+1 afasta investidores, sobretudo os estrangeiros, a regra continua respaldada pela maioria dos torcedores e também dos dirigentes na Alemanha. Prova disso é que, nesta quarta-feira, o Comitê Executivo da DFL (a liga alemã) aprovou por unanimidade que não serão mais permitidas exceções dentro do 50+1 no futuro. Um caso como o do Hoffenheim, em que Dietmar Hopp ganhou o direito de extrapolar o 50+1, não existirá mais nesta regra.

A decisão da DFL é bastante importante, especialmente para respaldar o 50+1 e garantir uma base legal ainda mais segura à regra. Com a aprovação unânime do Comitê Executivo, a legislação deixa de permitir brechas e, assim, evita imbróglios na aquisição de outros clubes no futuro. A partir de agora, a associação de torcedores de cada clube deverá ter sempre a maioria dos votos (o 50+1) para evitar a interferência de investidores. Bayer Leverkusen, Wolfsburg e Hoffenheim operam dentro desse mecanismo de exceção, com distinções entre si. Enquanto os dois primeiros são clubes fundados por empresas, o Hoffenheim recebeu tal direito mais recentemente.

A decisão ocorre num momento em que o Hoffenheim justamente abandona seu posto excepcional, e de maneira voluntária. Proprietário do clube desde as divisões de acesso, em tempos ainda amadores, e com mais de 30 anos de investimento, Dietmar Hopp quebrava o padrão do 50+1 dentro da Bundesliga. Porém, na última semana, o proprietário da SAP anunciou que não mais deteria a maior parte do poder decisório dentro do Hoffe. Com isso, a associação de torcedores que circunda os alviazuis volta a ter a palavra final, não mais o magnata. É uma tentativa de reaproximar o clube da comunidade local, num momento em que o público declina na PreZero Arena e o descontentamento com a gestão se torna mais vocal.

Hopp conquistou sua exceção para burlar o 50+1 em 2015, depois que a DFL considerou que o investidor demonstrou seu apoio ao Hoffenheim “de forma substancial e ininterrupta por mais de 20 anos”. Contudo, mesmo antes de tomar o poder para si, o empresário já tinha permitido um salto de seu time de coração. Sua saída do centro do poder na última semana prometia não provocar uma grande cisão. “Nunca foi uma questão de poder. Sempre nos conduzimos pelo espírito da regra 50+1 já antes e também desde que ganhamos a exceção, um privilégio que sempre considerei uma apreciação do meu envolvimento com a liga e seus membros. O status especial concedido a mim nunca teve intenção de escapar ou minar o 50+1, do qual sempre fui um defensor e que tem grande valor no futebol alemão”, declarou Hopp, em seu anúncio.

É bom salientar que a saída de Hopp do centro do poder no Hoffenheim não significa o fim do financiamento do clube promovido pelo magnata. Na verdade, ele apenas se antecipou às mudanças da regra aprovadas nesta semana pela DFL. Também não é isso que fará os alviazuis serem menos execrados pelos torcedores de outros clubes, já que o crescimento desproporcional do Hoffe aconteceu graças a uma injeção artificial de dinheiro. Mesmo que o sistema interno tenha se tornado mais sustentável com o passar dos anos, isso não isenta o processo anterior. As críticas da própria torcida do Hoffenheim contra Hopp também vinham aumentando, com acusações de “nepotismo e incompetência” pela má fase atual do time – incluindo disputas internas e demissões de diretores importantes.

Assim como ocorreu no Hoffenheim, o Hannover 96 corria o risco de se tornar uma exceção dentro do 50+1. Em 2018, o investidor Martin Kind tentou ganhar um status especial tal qual Dietmar Hopp, por causa de seu tempo dentro da agremiação. Contudo, o golpe interno acabou rechaçado pela torcida e pela associação, que impediram o clube de se tornar uma propriedade privada. A DFL também recusaria a solicitação de Kind, por avaliar que a determinação de um “financiamento substancial” não se cumpria. Diante de toda a disputa que se criou no Hannover, as discussões sobre a exceção no 50+1 se tornaram maiores. Foi o que desencadeou a atual revisão da legislação, proibindo esses casos especiais.

Já nos casos de Leverkusen e Wolfsburg, não há sinalização de que ambos tomarão uma atitude parecida com a de Hopp. São uma exceção dentro da exceção. Os clubes pertencem respectivamente à Bayer e à Volkswagen, fundados no seio de ambas as indústrias. Mas, para que ambas as companhias mantenham suas posições dentro dos clubes, agora terão que cumprir condições mais rígidas para disputar a Bundesliga. Há uma série de diretrizes em relação à transparência e à independência de seus membros, assim como relacionados à fiscalização interna e à prestação de contas públicas. Outra determinação é que qualquer decisão relativa sobre o nome dos clubes, o escudo, as cores, a sede ou a redução do estádio devem passar por uma assembleia geral com os associados.

Apesar das imposições, a mudança foi bem recebida pelos representantes de Leverkusen e Wolfsburg. Chefe-executivo dos Aspirinas, Fernando Carro declarou: “Em vista das tendências majoritárias no futebol profissional da Alemanha, era importante chegar a uma solução que fosse viável para todos os lados, após meses de intensas discussões. Só por essa razão, concordamos com o compromisso que foi alcançado, mesmo que por vezes possa nos afetar”. Já o porta-voz dos Lobos apontou: “Continuamos a considerar a prática atual como uma regulação equilibrada e apropriada, mas estamos preparados a aceitar o compromisso alcançado em discussões construtivas. É importante para todas as partes envolvidas que a melhor segurança jurídica possível seja criada desta maneira”.

As exceções no 50+1 tinham sido criticadas pelo Bundeskartellamt, o principal organismo regulador da Alemanha. A entidade avaliou a legislação como permissiva. As mudanças, em contrapartida, foram saudadas pelo órgão público. Segundo o presidente Andreas Mundt, “a manutenção da regra básica 50+1 e a remoção da possibilidade de conceder isenções de subsídios podem ser adequadas para atender às nossas preocupações antitruste”.

Não há um parecer público, no entanto, ao caso específico do RB Leipzig. A Red Bull é dona de 99% dos direitos econômicos do clube, mas a associação de seus membros mantém mais de 50% do poder decisório, conforme o 50+1. O problema é que existem manipulações dentro do RasenBallsport. De início, o clube tinha apenas nove sócios, e todos eles eram funcionários da Red Bull. Uma abertura maior passou a acontecer a partir de 2014, mas com preços absurdos e poucas garantias de admissão, tornando a agremiação bem mais restrita a membros que os demais clubes alemães.

Por conta de pressões da DFL, a Red Bull ampliou a abertura social do Leipzig, mas ainda com parcos direitos aos membros na tomada de decisões. O clube também precisa manter um conselho administrativo com maior parte dos componentes independentes da Red Bull, assim como um conselho fiscal paralelo. De qualquer forma, a agremiação segue extremamente vinculada e dependente da companhia de energéticos. Por mais que as reclamações dos clubes dentro da liga tenham se reduzido, a oposição às permissões dadas ao Leipzig continua vociferada nas arquibancadas. Mas, por enquanto, isso não tende a ser alterado de forma mais radical pela DFL.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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