Bundesliga

Haller, sobre o tratamento do câncer: “Estou fisicamente apto para trabalhar, me sinto bem mentalmente e fisicamente”

Em conversa com a Uefa, Haller falou sobre o tumor descoberto na pré-temporada e como está sendo seu tratamento

Sébastien Haller continua focado no principal desafio de sua vida: recuperar-se de um câncer testicular. O centroavante descobriu a doença durante a pré-temporada com o Borussia Dortmund e, desde então, permanece afastado. De imediato, o francês realizou uma cirurgia para a retirada do tumor. Como a doença era maligna, ele atravessa o tratamento com sessões de quimioterapia. Chegou a aparecer recentemente nas arquibancadas do Signal Iduna Park, embora não exista previsão de retorno aos gramados.

Ao site da Uefa, Haller deu um longo depoimento. Falou sobre a descoberta de sua doença, o atual estágio do tratamento e a mentalidade com que enfrenta a sua realidade. Transmitiu uma forte mensagem, pela maneira como persevera com otimismo e se prepara para retornar ao seu melhor o quanto antes. Fica a torcida para que tudo dê certo e para que seus gols voltem a se empilhar o mais rápido possível.

A descoberta

“O verão começou muito bem: ganhamos a liga com o Ajax, depois saí de férias. Celebrei meu aniversário, o batizado da minha sobrinha e tive ótimos dias. Então aconteceu também minha transferência. Eu estava cercado de boas vibrações. O Dortmund investiu muito dinheiro em mim, eu estava determinado a mostrar do que era capaz e estava ansioso para seguir progredindo. Então, tudo parou do dia para a noite”.

“Tudo começou, pelo que eu me lembre, com uma dor no meu estômago enquanto eu estava com a seleção marfinense em 31 de maio. Tomei remédios por três ou quatro dias e passou, mas então comecei a sentir que estava gripado, passei todo o período com a seleção me sentindo mal. Eu melhorei assim que voltei para casa, mas, desde que aconteceu pela primeira vez, eu passei a sentir um desconforto logo abaixo do meu estômago, atrás do meu abdômen. Era chato, mas não muito doloroso. Às vezes tinha indigestão e me sentia estufado”.

“Como eu estava de férias, pensei que isso passaria, mas o desconforto continuou, então comecei a pensar se poderia ser uma hérnia ou algo assim. Pedi ao meu osteopata para verificar. Fui a Dortmund algumas vezes no intervalo, pensando que não seria nada sério, ainda que não passasse. Meu osteopata pediu um ultrassom”

“Então eu me encontrei com o elenco do Dortmund na nossa pré-temporada na Suíça e pedi para fazer o exame. Cinco minutos depois de fazer, senti uma pressão atrás do meu abdômen, então decidimos fazer uma ressonância na manhã seguinte. Imediatamente depois da ressonância, me falaram que havia um tumor ali, mas ainda não sabíamos se era benigno ou maligno. Fui ao treino e, quando voltei, falaram para eu procurar um urologista, para ter uma segunda opinião”

“Ele levou aproximadamente dez segundos para confirmar que era um tumor. Pegou o equipamento, colocou nos meus testículos e tivemos o diagnóstico final. Então, tudo isso aconteceu muito rapidamente: tivemos que descobrir que tipo de tumor era, quão grande era, se a metástase tinha se espalhado para outro lugar. Depois disso, começamos o tratamento, organizamos a cirurgia, avisamos as pessoas – tinha muitas coisas para pensar nos primeiros dias”

O tratamento

“A primeira coisa que veio à minha mente era: esse tratamento e a volta à forma levarão algum tempo. Também terão coisas nas quais precisarei ser bom e com as quais terei que lidar da maneira séria. Eu penso que nutrição e treino são muito importantes para se manter fisicamente e mentalmente bem”.

“Eu brinquei sobre o assunto com minha esposa, disse a ela que é chato que eu tive que ficar doente para me tornar um especialista em câncer! Sei tudo sobre isso, em que estágio está, tudo. Logicamente, quando isso te afeta pessoalmente, você acaba tentando buscar mais informações online, você passa todo o seu tempo tentando saber mais sobre a doença, sobre seu câncer”

“Passo cinco dias de cada vez no hospital, onde permaneço 24 horas, não consigo sair da cama enquanto o tratamento é injetado em meu corpo. Então, tenho duas semanas de descanso. Essa é a primeira fase e tenho que fazer isso quatro vezes. Quatro fases de quimioterapia, com duração aproximada de três semanas cada. Depois disso, dependendo de como meu câncer está progredindo e de como está se espalhando, posso ser forçado a uma cirurgia. Muitas pessoas me perguntam quando voltarei, mas há muita coisa em consideração, então é difícil dar uma resposta correta”

“Tenho a sorte de me sentir bem. Estou fisicamente apto para trabalhar, eu me sinto bem do ponto de vista mental e físico, o que obviamente ajuda a combater essa doença”

“Eu tenho uma escala de tempo na mente. Se eu tiver sorte o suficiente de não precisar de uma cirurgia, as coisas podem ir muito rápido. Três semanas depois da fase final, os exames são feitos para saber qual o estágio da metástase e se você precisa de cirurgia. Se eu não precisar, pela forma como treino, acredito que eu estarei em boas condições no fim dessas três semanas”

A mentalidade

“Com todas as experiências que tive e todas as pessoas que conheci, e que estão ao meu redor diariamente, percebi que tenho muita sorte de ter a vida que tenho. Uma das primeiras coisas que disse a mim mesmo foi: ‘OK, isso aconteceu comigo. Farei de tudo para estar bem mentalmente e fisicamente'”.

“Eu era uma criança mimada, nunca tive nenhuma preocupação. Essa é a primeira grande provação que precisei enfrentar. Algumas pessoas começam suas vidas assim. Eu tive sorte que veio mais tarde na minha vida, então não posso reclamar. Há sempre alguém que está pior e precisamos colocar em perspectiva”

“Sempre tento tirar coisas positivas de cada situação. Tudo isso aconteceu comigo, mas eu consigo passar o tempo com meus filhos. esses são momentos de felicidade e não podem ser esquecidos”

A mensagem para outras pessoas

“Tenho sorte o suficiente de já ter três filhos, sou casado e conquistei algumas coisas no futebol. Há pessoas muito piores que eu. Não tenho muito o que provar na minha idade, mas esse câncer afeta pessoas jovens, pessoas que ainda não encontraram o amor, que não têm filhos, que estão tentando entender quem são mentalmente e fisicamente, que estão construindo uma vida para si. Isso pode parar essas pessoas em seus caminhos”

“Isso pode afetar sua autoconfiança e, é claro, prejudicar sua vida sexual. Tivemos que abrir mão de um pedaço de nós mesmos, de nossa masculinidade – e isso nunca é fácil de lidar. Mas você precisa colocar as coisas em perspectiva e se lembrar que passou por um momento muito difícil, e que isso é algo para se orgulhar. Você deve se orgulhar dessa cicatriz no seu corpo e falar a si mesmo que não havia nada que você pudesse ter feito para impedir que isso ocorresse com você”

“É um desafio, um grande desafio, e o fato de você ter conseguido superar significa que você é um guerreiro, que você é forte; esse pequeno pedaço de carne, que falta no seu corpo, não deve destruir sua autoconfiança, mas em vez disso mostra quão forte e maior você é como pessoa”

“Não tenha medo, vergonha, preguiça ou qualquer coisa do tipo. Faça um check-up, um exame de sangue e consulte um médico quando algo não parecer certo, porque um câncer, que você não vê chegando, pode ser assintomático e os poucos sintomas talvez sejam leves. Não nos sentimos mal, mas sentimos que há algo diferente e você precisa conversar sobre isso, ser examinado por profissionais”

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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