Christian Streich: “As conexões estão se perdendo, e o futebol expressa a sociedade como um todo”
Perguntado sobre a falta de paciência com os treinadores de futebol, Streich fez uma reflexão bastante ampla sobre a sociedade
Christian Streich é uma grande exceção no futebol de alto nível. O técnico do Freiburg completou em dezembro 11 anos à frente do elenco profissional, com quase 28 anos desde que começou a trabalhar nas categorias de base do clube da Floresta Negra. O sucesso do treinador está em evidência pelos desempenhos consistentes de seu time, ainda mais depois de eliminar o Bayern de Munique na Copa da Alemanha. E se por um lado os bávaros trocaram de comandante há semanas, a continuidade de Streich serve de grande contraste. Perguntado sobre o tema das mudanças cada vez mais constantes nos clubes, o treinador fez uma análise bastante ampla. E apontou como isso é um reflexo direto de uma sociedade que perde as conexões e vive sob enorme pressão.
“A pressão no futebol é imensa. Mas a pressão na sociedade também é imensa. As pessoas ainda amam o futebol, mesmo que algumas coisas sejam catastróficas. Desastrosas. Mas isso vai de mãos dadas com a sociedade como um todo. Tudo é individualizado. Quase não existem cadeias de conexões em várias áreas da vida. Quero dizer que, no passado, por exemplo, hotéis eram administrados por famílias. As pessoas conheciam quem trabalhava ali. Havia conexões. Agora tudo é diferente. Vivemos num mundo de grandes corporações”, analisou Streich. “Temos grandes problemas. Sempre falamos sobre a classe média. Pequenas e médias empresas atravessam um momento incrivelmente duro. No entanto, é essa classe média que nos trouxe incrível prosperidade e riqueza, não as grandes corporações. São estas que destroem a prosperidade. E no futebol você pode ver isso diretamente”.
“As coisas se desenvolveram de um jeito muito difícil. Temos um número incrível de pessoas com problemas mentais, que estão totalmente sobrecarregadas, não recebem mais calor humano, não têm mais pontos de referência. Sem conexões. Esse é um problema da sociedade como um todo. Isso é preocupante do meu ponto de vista. É assustador também”, complementou. “Não quero falar por todos os técnicos. Não sou afetado diretamente por esse problema, então não posso dizer nada. Você precisa perguntar àqueles que fazem um bom trabalho e mesmo assim são demitidos depois de oito meses. Mas o futebol é a expressão da sociedade como um todo. Os diretores esportivos também estão sob enorme pressão. É uma loucura. Porque as conexões estão se perdendo”.
Streich ainda salientou como as redes sociais ampliam a agressividade na sociedade e não contribuem para uma conexão tão genuína – algo que diferencia o Freiburg neste contexto: “As redes sociais… O clube perde dois ou três jogos, então as pessoas perdem o controle e espalham coisas nas redes sociais, é terrível. Isso não acontecia no passado, ao menos não nessa medida. Não éramos melhores que hoje, houve tempos muito piores, como 80 anos atrás, mas estamos perdendo nossas referências. Se você conhece alguém, pense como é insultá-lo. Estamos dizendo cada vez menos coisas face a face. Conosco não é assim. Temos continuidade, conexões. Mas eu já disse: o ponto crucial no nosso clube é como lidamos com o crescimento. Se somos capazes de nos encontrar e lidar mentalmente uns com os outros. Nas áreas onde não é assim, as coisas estão piorando”.
Em outros assuntos, Streich falou sobre a sensação de se classificar sobre o Bayern na Copa da Alemanha e o impacto que isso causa sobre sua equipe. De novo, apontou as redes sociais como um ambiente perigoso – desta vez, para seus atletas não se deslumbrarem. Afinal, os bávaros voltam a ser os adversários neste sábado, agora pela Bundesliga, no Estádio Europa Park.
“Foi um grande momento para os torcedores e para nós. Estamos nas semifinais. O Bayern perde algumas vezes, e agora fomos nós a vencer. Esperamos muito por isso, mas foi somente uma partida. É importante que a gente se lembre o que nos ajudou em Munique para a sequência”, analisou Streich. “É maravilhoso ter de novo o desafio máximo contra o melhor time da Alemanha. É por isso que estamos realmente ansiosos pelo próximo jogo – mas com absoluta clareza. Ter só euforia é pouquíssimo contra o Bayern e possivelmente exagero. Estaremos preparados para algumas das mudanças de Tuchel”.
“Se você ganha do Bayern e ninguém espera por isso, você precisa se certificar de não passar três quartos do dia nas redes sociais, porque é muito bom o que eles dizem por lá. Cada jogador precisa focar nos próximos dias. Manter a cabeça limpa, se cercar de pessoas próximas, encontrar paz, comer bem e dormir, porque os rapazes estarão exaustos para o próximo jogo, depois de 95 minutos tão intensos – mentalmente e fisicamente, mas de uma maneira positiva”, finalizou.
O Freiburg ocupa a quarta colocação da Bundesliga, com 47 pontos. O Bayern é o vice-líder e soma 53 pontos. Uma vitória dentro de casa pode ser fundamental para o clube da Floresta Negra fincar o pé no G-4, em disputa mais parelha com o RB Leipzig, atualmente dois pontos atrás.