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Juan: “Jogamos para os outros brilharem”

Já faz tempo que a torcida brasileira sofre com a defesa da seleção, seja em amistoso, jogo de eliminatórias, de Copa das Confederações ou de Copa do Mundo. Enquanto isso, uma breve olhada à lista dos melhores defensores em atividade na Alemanha nos revela que dois deles – Bordon e Lúcio – são brasileiros. Qual o segredo?

“É culpa do estilo brasileiro. Todo mundo só quer saber de jogar para frente e isso faz com que a seleção fique muito mais exposta do que ficamos nos nossos clubes. Acabamos jogando para os outros brilharem.” Essa é a opinião do zagueiro Juan, titular do Bayer Leverkusen, há três anos na Alemanha e praticamente garantido entre os 23 jogadores que irão à Copa do Mundo de 2006.

Em entrevista exclusiva à Trivela, o ex-zagueiro do Flamengo, recém-campeão da Copa das Confederações, relembra sua primeira temporada na Alemanha, quando o Bayer quase foi rebaixado, faz suas apostas para a Bundesliga 2005/6 que está para começar nesta sexta-feira e explica por que ele, Lúcio e Roque Júnior são ao mesmo tempo tão respeitados na Alemanha e criticados quando vestem a camisa da seleção.

O Bayer Leverkusen foi a porta de entrada para brasileiros na Alemanha. Desde que o Tita jogou aí em 1987, diversos outros jogadores, como Jorginho, Zé Elias, Zé Roberto, Lúcio, você, entre outros, passaram pelo clube. Por que o pessoal aí gosta tanto de brasileiros assim?
Porque os brasileiros sempre deram certo aqui. Por isso vão sempre buscar mais. Todo mundo quer jogadores brasileiros. Seja pela qualidade ou por ser mais barato.

Pelo que você ouve o pessoal falar aí, quem mais deixou saudade?
Todo mundo tem a sua história. A torcida lembra de todos com muito carinho, já que foram poucos os brasileiros que não deram certo aqui.

Nas suas duas primeiras temporadas você foi considerado um dos melhores zagueiros da Bundesliga, mas na última, de acordo com as notas da Kicker, você caiu muito. Por quê?
Depois que você passa a não ser mais uma surpresa, as pessoas exigem que você jogue sempre seu melhor futebol em todas as partidas, mas sabemos que isso não é possível. Atuei muitas vezes pela seleção e isso complica um pouco: você joga na quarta no Brasil, fica 12 horas no avião, chega na sexta-feira de manhã e joga no sábado à tarde. Isso atrapalha muito. Ao meu ver, tive uma regularidade boa no ano passado, joguei quase todas as partidas do campeonato – umas muito bem, outras mal, confesso –, mas como não sou mais nenhuma novidade, a cobrança é maior.

O que aconteceu com o Bayer Leverkusen na sua primeira temporada na Alemanha, que depois de quase ser campeão de tudo em 2002 por pouco não acabou rebaixado?
Foi uma temporada difícil por causa das saídas do Ballack e do Zé Roberto e foi também o ano após da Copa do Mundo, em que todo o elenco só voltou a treinar a uma semana do início do campeonato. Mal nos encontramos, as coisas começaram a dar errado e o pessoal foi perdendo a confiança. Aquele fracasso foi bom para todo mundo acordar, para muita gente perceber que não era tudo aquilo que pensava ser. Não é só porque tiveram uma boa temporada e fizeram uma boa Copa do Mundo que podiam colocar-se acima do bem e do mal. Foi bom para o Bayer perceber que era preciso trabalhar muito para conseguir voltar a crescer.

Quem é o grande nome do Bayer Leverkusen hoje?
O Bayer não tem hoje mais um grande jogador como antigamente. A gente até precisa um pouco disso, de alguém que seja a referência do time. O forte é o nosso conjunto. Tem de estar todo mundo bem para o time jogar direito.

Quem é o favorito à conquista do título neste ano?
Sempre o Bayern de Munique, né? É o elenco mais forte. Espero que nós possamos fazer uma boa temporada, jogar bem e brigar pelo título também.

Você acha que se o Ballack sair do Bayern de Munique o time continuará tão forte?
Eles certamente perderão muito, pois o Ballack é o principal jogador da Alemanha, mas o Bayern tem muitos outros jogadores que fazem deles uma equipe forte.

Qual a expectativa do Bayer Leverkusen para este ano?
A gente sabe que tem time para brigar pelo título, mas sabemos que não temos um elenco tão bom quanto o do Bayern de Munique ou de outros clubes. Se todo mundo jogar bem, acho que podemos até atrapalhar um pouco e até ganhar.

Neste ano o Bayer não contratou muitos jogadores e está apostando numa base mais jovem. Dessa molecada, qual você destacaria?
Tem um espanhol de 17 anos, o Gonzalo Castro, em quem o pessoal aqui está apostando muito.

Três dos quatro zagueiros que hoje compõem a seleção brasileira jogam na Alemanha. Isso é coincidência?
(Risos) Pode até ser, a um ano da Copa, os três estarem em atividade aqui. Todo mundo já jogou no Bayer Leverkusen – o Lúcio está do outro lado agora –, mas acho que é apenas fruto do bom trabalho que estamos todos fazendo.

Aqui no Brasil, há a imagem de que jogar na Alemanha é mais fácil que em outros campeonatos, como o italiano, o espanhol e o inglês. Você concorda?
É questão de adaptação. Às vezes um se dá melhor num campeonato do que em outros. Claro que na Itália há bons jogadores, imagino até que seja o mais difícil do mundo, mas o alemão não está tão atrás assim. Também disputamos a Liga dos Campeões e enfrentamos equipes de todos os lugares. Aí fica provado que a distância não é tão grande.

É coincidência os dois melhores zagueiros em atividade na Alemanha (Bordon e Lúcio, de acordo com a Kicker) serem brasileiros?
Temos a vantagem de adaptarmo-nos bem em qualquer lugar do mundo. Fora o fato de que enfrentarmos atacantes mais habilidosos no Brasil nos ajuda muito. Em nenhum lugar do mundo o trabalho amador é tão bom quando o nosso. No caso deles, no ano passado o Bayern de Munique e o Schalke 04 viveram bons momentos e é natural os jogadores que estão num time que passa por uma boa fase aparecerem muito mais.

Por que os zagueiros brasileiros como você, o Bordon e o Lúcio se dão melhor aí na Alemanha e são tão criticados quando estão na seleção?
É culpa do estilo brasileiro. Todo mundo só quer saber de jogar para frente. Isso faz com que a seleção fique muito mais exposta do que ficamos nos nossos clubes. Aqui, os treinadores valorizam muito mais a marcação. Jogadores de meio-campo e de ataque também têm a obrigação de marcar, o que não acontece na seleção brasileira. Por isso a gente fica muito menos exposto e acaba jogando muito melhor.

Então você acha que na seleção os zagueiros são mais sobrecarregados?
Isso é uma característica do futebol brasileiro. A gente quer sempre ver muitos gols. Aqui na Europa não: 1 a 0 já é considerado grande resultado. Por outro lado, isso não pode ser mudado, porque é o que nos diferencia do resto. A seleção, mesmo correndo riscos, pode dar-se ao luxo de tomar um ou dois gols e fazer quatro, cinco.

Mas se o Brasil faz quatro ou cinco e toma dois, os zagueiros, como você, acabam mais criticados do que o resto…
Quando entramos em campo pensamos apenas em vencer. Isso significa que alguns têm de sacrificar-se mais para os outros brilharem. No final das contas, quando a seleção brasileira ganha, não importa se a gente tomou gol ou não. Todos saem por cima.

Você jogou com o Lúcio no seus dois primeiros anos de Leverkusen e agora joga com o Roque há uma temporada. Com qual dos dois você se dá melhor?
Eles têm características diferentes. Um atua pela direita, o outro pela esquerda; um tem mais força, o outro mais técnica. Os dois são grandes jogadores e me adaptei bem ao estilo dos dois.

Na sua opinião, quem deve formar a zaga titular da seleção?
Já houve um rodízio muito grande, todos tiveram oportunidade de jogar e tem jogado bem. Por isso o Parreira tem chamado sempre os mesmos. É tudo uma questão de momento. Já tive momentos em que eu estava melhor e acabei jogando. Agora jogam o Lúcio e o Roque. Já formei a zaga com o Luisão. Acho que na Copa vai jogar quem estiver melhor.

O Parreira não deveria aproveitar esse entrosamento entre você e o Roque ou entre você e o Lúcio para corrigir essa defesa do Brasil?
Agora nada mais é novidade para a gente. Já joguei dois anos com o Lúcio, que joga com o Roque há muito tempo na seleção. Eu jogo com o Roque aqui e formei a defesa com o Luisão na Copa América. Vai ser questão de momento mesmo. Quem estiver melhor tecnicamente ou fisicamente é que vai entrar em campo.

Você acha justas as críticas que direcionadas ao Roque Júnior?
Elas não são dirigidas só a ele, mas sim à zaga brasileira em geral. A gente é sempre criticado por uma hora ou outra sair em desvantagem em alguma jogada, mas sabemos que estamos ali para fazer um pouco mais do que o normal pra tentar fazer os outros brilhar. Nenhum time do mundo joga igual ao Brasil. Temos quatro atacantes, dois laterais que avançam a todo o momento, dois volantes que praticamente não são volantes – porque sinceramente, o Zé Roberto só é volante na seleção, enquanto no Bayern de Munique joga como atacante; e o Emerson atua mais ofensivamente pela Juventus. Alguém vai ter de correr, sacrificar-se, marcar. E isso quem tem de fazer somos nós, zagueiros. Fico chateado por muitas pessoas compreenderem isso, não passarem para o público e preferirem apenas nos criticar. O que importa é termos a confiança do treinador, fazermos um bom trabalho e continuarmos ganhando.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

A equipe da redação da Trivela, site especializado em futebol que desde 1998 traz informação e análise. Fale com a equipe ou mande sua sugestão de pauta: [email protected]
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